Mulheres na Tecnologia: a saga de driblar o machismo

Elas estão entre as que enfrentam o peso da discriminação cultural desde cedo e muitas vezes desistem de seguir carreira na área de Tecnologia

O que essas mulheres têm em comum: estudam ou trabalham na área da Tecnologia da Informação, um mercado em expansão ainda mais acentuada com a epidemia da Covid-19 e um ambiente majoritariamente masculino.

Mônica, aos 18 anos, precisou brigar pela legitimidade de um trabalho seu na faculdade de Engenharia da Computação, porque o professor considerava ela incapaz de fazer os cálculos do exercício.

Cecília, aos 14, foi motivo de chacota na escola por ser a única menina a passar na primeira etapa de um concurso de bolsa de estudo em informática.

Adrianisia, 41 anos e na carreira desde 2008, credita sua sorte em não sofrer a mesma discriminação, comentários e “piadinhas” que afligem suas colegas de trabalho ao fato de ser casada e trabalhar na mesma empresa que o marido.

De acordo com levantamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), dos mais de 580 mil profissionais de TI que atuam no Brasil, apenas 20% são mulheres. Os dados da Sociedade Brasileira de Computação são ainda mais reveladores: elas representam somente 17% do total de programadores e são apenas 15% dos alunos matriculados em cursos de ciência da computação e engenharia.

Cultura de discriminação

Como Mônica, Cecília e Adrianísia, as mulheres que se aventuram na área de TI relatam variadas situações de discriminação e machismo no seu dia a dia, reflexos de uma cultura que começa na escola, ou até antes, em casa, e segue pela vida profissional.  Solidão, desmerecimento, descrédito, ambiente hostil fazem parte da rotina das que ousam invadir esse espaço bem masculino, exigindo muita paixão e determinação para concluir os estudos e seguir carreira.

Adrianísia Brito, na área desde 2008: área é bem machista. Foto: arquivo pessoal

“Infelizmente é uma área bem machista, mas eu sempre fui bastante ‘casca grossa’. No começo como eu trabalhava na mesma empresa do meu marido, eu sinto que me respeitavam mais por causa dele, porque eu ouvia os comentários meio pesados sobre o corpo e a capacidade das minhas colegas, algumas piadas bem depreciativas e dúvidas da capacidade delas”, conta Adrianísia Brito, formada em Administração e MBA em Engenharia de Software.

Por causa do preconceito, tanto por parte dos alunos como de professores, Mônica Ulloa chegou a pensar em desistir do curso de Engenharia da Computação logo nos primeiros semestres, quando era a única mulher da turma. “Certos desmerecimentos de trabalhos, piadinhas sem graça e machistas num ambiente de quase 30 pessoas não é um cenário acolhedor”, garante Mônica.

Após pausa de um ano para colocar algumas matérias em dia, Mônica acabou mudando de turma, agora com a companhia de outras duas mulheres e duas pessoas LGBTQ+. “O ambiente melhorou muito depois disso. Agora tínhamos vozes para reclamarem das atitudes de professores e alunos”, comenta.

Mônica Ulloa chegou a pensar em desistir da faculdade – Foto: arquivo pessoal

Mulheres na Tecnologia unindo vozes

As vozes das meninas do Instituto Federal do Paraná sobre as situações de assédio vividas dentro e fora das salas de aula foram o que mais pesou na escolha de Cecília Avansini Rosa, hoje com 18 anos,  para o tema do Trabalho de Conclusão de Curso do ensino médio técnico Integrado à Informática, com banca marcada para próximo mês de abril.

Trabalho de gente grande, o TCC de Cecília é uma pesquisa sociológica feita por meio da metodologia de análise de discursos, que reúne conceitos de linguística, psicanálise e marxismo. Ela selecionou as meninas de todas as turmas do curso de informática em um grupo focal on line, por conta da pandemia, e as colocou para conversar. Ao final, comprovou o que ela mesma já havia experenciado ao longo do curso. “Elas se sentem desestimuladas, discriminadas, sentem que não pertencem a esse lugar, que isso não é coisa de mulher, que elas não são capazes e que os meninos são melhores”, relata Cecília.

A conclusão do TCC de Cecília ressalta o tamanho do desafio que as mulheres de TI têm pela frente. “A desigualdade de gênero na área de informática existe sim e a gente tem um longo caminho para desconstruir essa visão de que a mulher não tem capacidade para a área, até porque não há nada biológico que comprove que o cérebro feminino é menos capacitado do que o masculino”, explica a secundarista.

TCC de Cecília Rosa trata da desigualdade de gênero na informática. Foto: arquivo pessoal.

Vocação e sonhos

Mônica acaba de se formar e está determinada a seguir o seu sonho. “Desde criança sempre fui muito vidrada na tecnologia e muito curiosa para entender como as coisas funcionavam. Gostava muito de vídeo games e de mexer no computador”, conta.  Ela acredita que o ramo da tecnologia só tende a crescer e cada vez mais o mercado precisará de gente capacitada. “Por isso precisamos mostrar que as mulheres são muito capazes sim, mesmo num ramo onde tem maioria machista”, destaca.

Adrianisia, com quase quinze anos de trabalho na área, também é otimista apesar de reconhecer a desigualdade também na remuneração do trabalho. “Hoje em dia noto que está melhor o mercado, tenho muito mais colegas mulheres do que tinha quando mudei para essa área. Acho que somos muito subestimadas, ainda ganhamos muito menos que os homens, mas estamos ganhando espaço”.

Cecília, formada no Ensino Médio, está em fase de vestibular, dividida entre jornalismo e pedagogia. Não seguirá como mulher de TI e é bem cética quanto à desconstrução da cultura da discriminação. “Se as meninas se apoiarem será menos doído conseguir ter voz dentro dessa área de informática, mas acho que ainda falta muito para superar toda essa desigualdade”, lamenta.  

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