Tecelãs de Myanmar: exemplos de coragem na luta contra o golpe

Lideradas pela sindicalista Moe Sandar Myint, as mulheres do setor têxtil enfrentam perseguições, prisões, violência e risco de morte em defesa da democracia
Mulher com máscara de proteção e segurando cartaz em protesto contra o golpe de Mianmar
Protesto contra o golpe em Myanmar – Foto: MgHla (aka) Htin Linn Aye

As mulheres trabalhadoras do setor têxtil em Myanmar têm representado um dos principais movimentos no país a se organizar nas ruas contra o golpe militar deflagrado em 1º de fevereiro.

Em verdade, essas mulheres já se mobilizavam com impressionante força há um ano, contra cortes salariais, demissões e outras retiradas de direitos que ocorreram em meio à pandemia da Covid-19.

Assim como em diversos países, as restrições impostas pela grave crise sanitária dificultaram protestos e ações mais combativas contra as medidas impopulares e quase desumanas, das empresas do ramo de vestuário.

Mas o golpe foi a gota d’água para que uma verdadeira onda de manifestações de rua tomassem o país contra os militares golpistas, principalmente na antiga capital Yangon com multidões vindas de bairros mais pobres e periféricos.

A liderança sindical Moe Sandar Myint, da Federação Geral dos Trabalhadores de Myanmar, disse em entrevista para um veículo local que “as trabalhadoras já estavam com raiva há muito tempo, e que neste momento não poderiam mais ficar em silêncio. Foi então que me atrevi a iniciar a greve”.

A sindicalista tem sofrido intensa perseguição do regime militar. Sua residência chegou a ser invadida em 6 de fevereiro e desde então lidera protestos pelo fim da ditadura militar durante o dia e se refugia em diferentes lugares durante a noite, para tentar despistar os militares.

Em entrevista concedida por telefone para a Fundação Thomson Reuters, Myint contou que “à noite estuda estratégias – como conduzir a greve, onde protestar – e que organiza os chamados aos trabalhadores sobre quando, onde e como agir contra o regime”.

As mulheres trabalhadoras de Myanmar levam consigo duras experiências de enfrentamento à violência. São comuns que em greves organizadas nas fábricas têxteis patrões enviem grupos de homens armados com barras de ferro para atacarem as grevistas.

Foto: MgHla (aka) Htin Linn Aye

Dura repressão contra os meios de comunicação

A organização tem sido outro desafio, uma vez que os meios de comunicação têm sido constantemente cortados pelo regime militar e os órgãos de imprensa locais proibidos de atuar.

Com o golpe, a situação de Direitos Humanos no país, que ainda vivia uma frágil transição para um modelo democrático, tende a piorar.

Profissionais da imprensa têm sido agredidos e detidos, com o caso de Shin Moe Myint, fotojornalista de 23 anos, que segundo denúncias publicadas em redes sociais, foi gravemente ferida e detida por um grupo de sete policiais enquanto cobria um protesto em Yangon.

A jornalista do canal Myanmar Now, Thet Zun Nway, também foi detida em cobertura do protesto no último domingo (28).

Repressão mortal

Mya Thwe Thwe Khaing, 20 anos, trabalhadora de supermercado, foi baleada na cabeça durante as recentes manifestações. Ela ficou internada por 10 dias, com suporte de aparelhos, mas não resistiu.

A jovem foi a primeira de pelo menos 18 pessoas a morrer nos protestos, conforme noticiado neste domingo (2) pelo New York Times.

Setor crucial para a luta

Segundo relatório da organização Business & Human Rights Center durante a crise sanitária provocada pela Covid-19, ataques aos sindicatos e demissões injustas de trabalhadores do setor de vestuário ganharam intensidade. Foram examinando casos em nove fábricas de roupas na Índia, Bangladesh, Camboja e Myanmar, onde cerca de 5 mil trabalhadores sindicalizados relataram terem sido demitidos injustamente.

As fábricas analisadas para o estudo produzem roupas para nove grandes marcas da moda global. São elas Adidas, GAP, H&M, Primark, Zara (Inditex), Levi Strauss & Co., MANGO, BESTSELLER, Michael Kors, Tory Burch e Kate Spade (Tapeçaria).

De acordo com estatísticas da ONU (Organização das Nações Unidas) o setor de vestuário em Myanmar representa 6 bilhões de dólares, sendo um importante pilar da economia, e correspondia, em 2019, a mais de 30% das exportações. Número que, historicamente, se distancia dos 7% em 2011, período em que o país iniciou a transição de décadas de isolamento sob o regime militar.

Diante desta péssima experiência econômica, agravada pela pandemia, Myint diz que os trabalhadores estão com muita disposição para seguir na luta. “Sabemos que a situação só vai piorar sob a ditadura militar, então vamos lutar como um, unidos, até o fim” enfatizou.

Com informações da Fundação Thomson Reuters e do portal de notícias Myanmar Times