Damares cancela participação social em política de Direitos Humanos

Ministra Damaris fala em pulpito
Ministra Damares Alves. Foto: Julio Nascimento/PR

Em tempos de cancelamento, quem tem a caneta é rei. Nesse caso, rainha. É como a Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos tem agido em relação à agenda de governo que, frequentemente, tem sido diferente dos interesses da sociedade civil. Nas últimas semanas, a publicação da Portaria 457/20, sobre o grupo de trabalho para discutir o Programa Nacional de Direitos Humanos, feriu tratados que o Brasil é signatário, deixando de fora a sociedade civil.

Com o grupo de trabalho instituído, deixam de participar das discussões entidades ligadas às mulheres, pessoas negras, segmento LGBTQIA+, vítimas de violência, pessoas com deficiência e trabalhadores. De acordo com a portaria, esses grupos podem ser convidados a participar das discussões a critério do Ministério, mas não poderão votar. Os participantes das reuniões também são proibidos de divulgar o teor das discussões, de acordo com a portaria.

No último PNDH, vigente desde 2009, cerca de 14 mil pessoas participaram das discussões, que envolveram etapas municipais e estaduais, até o documento final. A nova revisão reduz o número de 14 mil participantes para um grupo de 14 pessoas, todas vinculadas ao Ministério de base conservadora.

Ampla consulta

Para Ana Amélia Mascarenhas, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, a participação da sociedade civil na elaboração dos documentos relativos ao assunto é uma resposta natural aos anseios sociais.

“Nada mais justo que a sociedade participar da organização desses planos. A sociedade é a maior vítima das violações de direitos humanos e é quem pode opinar com legitimidade na discussão. Os três planos que o Brasil teve foram elaborados com ampla consulta da sociedade civil, incluindo o Conselho Nacional de Direitos Humanos, com paridade entre a sociedade civil e governo”, explicou.

Em discurso na ONU na última semana, a Ministra Damares Alves afirmou que o Brasil “segue na defesa da família e da vida, desde a concepção”. Para Ana Amélia, as palavras da Ministra dão uma pista do que poderá surgir na revisão do Programa Nacional de Direitos Humanos.

“As pautas [desse Ministério] são excludentes, negacionistas, violentas, reforçam desigualdade de gênero, um grande retrocesso. A sociedade civil continua querendo outro tipo de defesa dos direitos humanos. Isso é muito assustador, [um governo com] estímulo à violência e homenagem a torturadores”, resumiu.

Ana Amélia explica que as entidades de direitos humanos, incluindo a Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP estão se articulando e buscando alternativas para barrar essa portaria. “Temos assistido a exclusão da sociedade civil de diversas discussões importantes. Temos que estar unidos para fazer essa defesa”, observou.

Garantia fundamental

Entre as entidades que estão acompanhando a situação, está também a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia. Conforme Nívea Carneiro, integrante da ABJD, o assunto exige cautela e atenção.

“Os Direitos Humanos por si só têm como conceito precípuo a inclusão, por pertencer a todos e não apenas a uma entidade ou segmento social. Eles são uma garantia fundamental que visa proteger indivíduos e grupos sociais contra as diversas ações ou omissões daqueles que atentem contra a dignidade humana. Deixar de lado segmentos e entidades que lutam e estiveram na linha de frente dessas conquistas é muito mais que motivo para manter alerta”, ressaltou.

Construção coletiva

O coordenadora-geral do Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo, Mariana Pasqual, explicou que esse é o terceiro plano elaborado no Brasil após a ditadura militar, “uma construção coletiva que expressa as bandeiras e as lutas políticas de diversos movimentos”.

“A ministra Damaris Alves é porta-voz do atual governo Bolsonaro e esse ato representa os seus interesses políticos e ideológicos – autoritário, patriarcal, racista, misógino e ecocida. O governo quer revogar parte das diretrizes definidas no PNDH porque instituiu políticas contrárias ao seu governo – como a instauração da Comissão da Verdade, a educação em direitos sexuais e reprodutivos e a diminuição da violência do Estado representada pelos índices absurdos de letalidade policial”, criticou Mariana.

Enquanto isso, na Câmara

A deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), protocolou Projeto de Decreto Legislativo para anular a portaria, tendo como justificativa que a convocação para o grupo de trabalho é inconstitucional, já que essa discussão deve acontecer paritariamente junto à sociedade. A assessoria da deputada, que é ex-ministra de Direitos Humanos, informou que nenhum PDL foi analisado desde o início da gestão de Rodrigo Maia à frente da Câmara até a atual de Arthur Lira.