Maria Firmina descoberta além do tempo

Imagem: website jornal O Imparcial, do Maranhão

Cultivo desde criança o hábito da leitura, a cada livro sempre quero saber mais sobre desdobramentos literários, produções ou biografias.  Apesar de curiosa e pesquisar sobre escritoras ou personalidades, confesso envergonhada que somente há pouco tempo me atentei sobre Maria Firmina dos Reis, escritora abolicionista e educadora, nascida há quase 200 anos, em São Luís, no Maranhão.

Tardiamente percebi essa precursora nordestina afrodescendente, o que me deixou bem incomodada. Cresci na mesma região, entretanto, desconhecia sua intensa publicação em jornais, a primeira autora a publicar um romance no país, em 1859, com protagonismo feminino: “Úrsula”, que assinou com o pseudônimo “Uma maranhense”.  Um enredo com final trágico que retratava a sociedade escravagista e violenta, sobretudo dava voz de narrativa aos personagens negros com histórias de ancestralidade, África e sabedoria. Como professora, é pioneira na experiência de sala de aula mista, com alunos e alunas em 1880.

Senti vergonha por tanto tempo de ignorância dessa preciosidade literária e histórica. Sei que a obra dela ficou um longo período sem publicação, foi redescoberta no início dos anos 60 e voltaram a editar “Úrsula”, em 1971. Por falar no século passado, sou da geração alfabetizada em momento de redemocratização, na década de 80. A minha vivência escolar com leitura sugerida era na maioria de autores homens, brancos ou clássicos internacionais. Como investigativa, tentei ir além da indicação de sala de aula ou das escolas do meu irmão mais velho, para ampliar as referências frequentava muitas bibliotecas, li diversas autoras, porém nem na faculdade de comunicação nunca me deparei com o seu nome  durante a disciplina de história do jornalismo ou sua produção: charadas, decifrações, poesias, contos e romances dela.  

Na intensidade que sinto a tristeza do desconhecimento, surge à euforia de pesquisar nos espaços virtuais, ler obras ou documentos, ouvir e agora compartilhar com os leitores desse portal – nomeado em homenagem a Maria Firmina dos Reis. Uma feminista de atitude valiosa, antiescravagista na literatura e uma herança importante para as atuais e futuras gerações de escritoras ou leitoras.

Reprodução do periódico A Imprensa, de 8 de agosto de 1860 (Fonte: BN Digital/ Domínio Público)

O ano de 2022 é o bicentenário de nascimento de Maria Firmina dos Reis, indico a leitura das suas obras disponíveis em formato impresso ou digital, mas um pequeno resumo sobre ela: nasceu um pouco antes da independência do Brasil, em 11 de março de 1822, filha de escrava alforriada, Leonor Felipa dos Reis e pai João Pedro Esteves (com nome registrado somente na sua certidão de óbito). Ela morou em São José de Guimarães morar com uma tia e entre as poucas mulheres alfabetizadas daquele período, assim aos 25 anos, em 1847, foi a primeira a passar em concurso público para lecionar no Maranhão, anos depois nomeada mestra régia. Escrevia para os jornais locais e participou de coletâneas. Também escreveu o romance “Gupeva”, em 1861 e a obra “Cantos a beira mar”, em 1871. Uma mulher que ocupou um espaço na sua época, rompeu “estruturas”, fez história na literatura, abolicionismo e educação. Morreu, em 1917.  

Poesia:

Ela!

Quanto é bela, essa donzela,

A quem tenho rendido o coração!

A quem votei minh’alma, a quem meu peito

Num êxtase de amor vive sujeito…

Seu nome!… não – meus lábios não dirão!

Ela! minha estrela, viva e bela,

Que ameiga meu sofrer, minha aflição;

Que transmuda meu pranto em mago riso.

Que da terra me eleva ao paraíso…

Seu nome!… Oh! meus lábios não dirão!

Ela! virgem bela, tão singela

Como os anjos de deus. Ela… oh! não,

Jamais o saberá na terra alguém,

De meus lábios, o nome que ela tem…

Que esse nome meus lábios não dirão.

Publicação: CANTOS À BEIRA MAR, São Luís do Maranhão, 1871.