Entrevista: “Nós, da periferia, mulheres em travessia”

Semayat Oliveira é jornalista, escritora, documentarista e mulher em travessia, como se definiu durante entrevista com Helô Aguieiras, para o Instagram do Portal Firminas na última semana. Cofundadora do Coletivo Nós, Mulheres da Periferia, ela tem lutado para tirar da invisibilidade as histórias de tantas mulheres pobres, maioria pretas, usando como arma o jornalismo independente.

“Ser mulher e ser da periferia não está correlacionado. Essa nunca foi a nossa história, essa não é a história das nossas ancestrais. A gente tem uma abundância em vários sentidos, principalmente intelectual, de tecnologias de sobrevivência e de histórias que sedimentam o país”, ressalta Semayat, lembrando que estar na periferia é uma condição social, não intrínseca, parte de uma travessia.

Ela, que também é repórter da TV Cultura, atua no Nós, Mulheres da Periferia, com jornalistas moradoras de diferentes regiões da cidade de São Paulo para produzir conteúdos sob a perspectiva de mulheres, com linha editorial de gênero, raça, classe e território.

Espaço de troca

Semayat observou como é importante falar dessas realidades, desconstruir estereótipos, ter como retorno pessoas que moram na periferia que conseguiram emprego, visibilidade, ter essas vozes na rua, sendo conhecidas. “Esse espaço de troca precisa crescer. Mulher da periferia é travessia. É travessia de um país que quis a nossa morte e tem que lidar com a nossa vida e nossa reinvenção”, pontuou.

O jornalismo feito por Semayat e outras mulheres pretas no trabalho com e para as periferias vem ressignificando histórias e proporcionando visibilidade a pessoas que, na grande mídia, são retratadas apenas como vítimas ou, quando protagonistas, como autoras de atos violentos.

Para Semayat, o atual momento tem sido muito difícil para o país e, apesar de todas as dificuldades, em sua opinião, são as mulheres negras que estão protagonizando uma revolução no modo de fazer político e social. “A mulher negra é o que tem de mais revolucionário na política brasileira. Somos nós que estamos enfrentando o avanço da grande direita, que vem de encontro ao nosso povo,” descreveu.

Nós, Mulheres da Periferia

Nós, Mulheres da Periferia, nasceu como um artigo publicado há nove anos na seção “Tendências/Debates” da Folha de São Paulo sobre os direitos não atendidos das mulheres que moram nas periferias. A partir da repercussão desse artigo, dois anos depois, as autoras resolveram estender a conversa e transformar as palavras em um coletivo digital para dar rosto aos fatos e contar o que acontece nesses espaços sem a tarja policialesca da cobertura tradicional.

Semayat explica que o que é mais gratificante nisso é saber que histórias anteriormente invisíveis ganharam espaço e repercussão a partir da cobertura do Nós, Mulheres da Periferia e cita como exemplo uma matéria sobre uma doula que, posteriormente, virou capa de revista. “Conseguir fazer uma história chegar à grande mídia, isso é uma das coisas mais gratificantes”, comentou durante a live.

Em 2020, as integrantes do Coletivo trouxeram uma nova mídia para esse universo e criaram o podcast semanal Conversa de Portão, para tratar de temas que vão desde o impacto da pandemia para as mulheres periféricas à literatura e juventude negra, por exemplo.

Histórias da periferia

Durante a pandemia, Nós, Mulheres da Periferia tem sido um importante canal para contar o que está acontecendo nesses espaços periféricos. Em seu trabalho de apuração, Semayat vem observando realidades e percebeu na prática dados como o aumento da carga de trabalho doméstico para as mulheres nesse período.

Na live, a jornalista acrescentou que 50% das mulheres passaram a cuidar de mais alguém na pandemia (dados da Gênero e Número e Sempreviva Organização Feminista). “As mulheres que operam o cuidado. Na periferia, elas sempre foram atrás de novas unidades de saúde, mais creches em seus territórios. Cuidar mais sempre vai recair sobre nós”, constatou.

Semayat também é documentarista e foi co-diretora do curta Nós, Carolinas, em 2017, que trouxe à tona relatos de mulheres de regiões periféricas diferentes de São Paulo, em primeira pessoa, levantando temas importantes como racismo, maternidade, machismo e autoestima. O documentário foi produzido pelo Nós, Mulheres da Periferia.

Ela defendeu cotas com recorte social e de gênero como uma maneira de tornar a sociedade brasileira verdadeiramente mais inclusiva e dar à negritude seu espaço merecido, inclusive nas redações. “Qualquer pessoa que seja contra cotas no nosso país está lutando contra o avanço das mulheres periféricas, porque queremos disputar os melhores salários, temos condições e é isso que vai permitir travessias cada vez mais longas, longínquas e potentes”, apontou.

A conversa entre Helô Aguieiras e Semayat Oliveira trouxe ainda outras questões pertinentes como o encarceramento da população negra, lei de cotas, saúde e outras políticas públicas para mulheres. Para assistir tudo, clique aqui.

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