Na construção diária, que não nos falte feijão e cimento pra misturar
A casa vizinha, que tem anos que está vazia e ninguém nunca aluga, parece que finalmente vai receber uma família.
As obras já começaram. Tem dois pedreiros. O pedreiro 13 e o pedreiro 17.
Passam o dia brigando. O 13 às vezes é debochado, arrogante, mas fala mais baixo. O 17 consigo escutar de todos os cantos da casa. Chega a ser insuportável. Cheio de frases prontas.
Desde segunda tá assim. Isso podia virar peça de teatro. Sério.
Acordamos na terça às 7h30 com o 17 gritando: vão passar pano pra bandidagem, agora ele vai voltar!
O pedreiro 13 nem parecia ouvir o 17. Só repetia o mantra: ele vai voltar, cara, ele vai voltar!
Os dois escutam rock subversivo. Cantam juntos.
O 13 convidou o 17 pra almoçar. Disse que na casa dele a panela de feijão é bem grande. Que lá na casa dele ninguém come com medo de faltar pra alguém.
“Aí sim”, disse o 17 aceitando o convite.
17: faz o que quiser, carai. Teimoso. Se liga, mano. Aonde que tá sujo aqui?!
13: eu tô tendo que limpar tudo aqui, tio.
O 13 tem sorte de ter uma panela grande de feijão. Pegou uma obra em meio à pandemia de desempregados.
O dia todo estão falando um ao outro como que o trabalho deve ser feito.
Depois de muita briga, o 13 fica resmungando comentários incompreensíveis do lado de fora, no quintal da casa. Enquanto o 17 fica reclamando alto do lado de dentro.
Espero muito, de verdade, que essa obra acabe logo. Ontem o cheiro da tinta fresca deixou Isa enjoada e tem me embrulhado o estômago também..
Que a casa vai ficar bonita já sabemos, temos visto. Se é só fachada, uma boa demão de tinta sobre os problemas, já não sabemos.
Que não falte feijão nas panelas, chão com cimento pra misturar e manhãs mais tranquilas. Que o poder seja do povo.
*Essa é uma história real.
**Os dois são chatos demais. Mas o 17 quero fora, e logo, daqui.