Conto de Aia à brasileira: PL que ameaça aborto legal avança no Congresso

Parece que o futuro distópico relatado pelo romance da canadense Margaret Atwood, “O Conto de Aia” está mais próximo de se tornar realidade no Brasil, após o Projeto de Lei 5435/2020 entrar na pauta do Senado, como divulgado nesta sexta-feira (19/03). O texto, que pode ser votado já na próxima semana, tem como objetivo a criação do Estatuto da Gestante, garantindo o direito à vida desde a concepção e “auxílio para o filho de mulher vítima de estupro”.

A história de ficção, que também foi adaptada para uma série homônima, tem sido utilizada como referência em casos de ameaças aos direitos reprodutivos das mulheres, principalmente quando está implícita – ou até mesmo explícita – a interferência da religião nestas propostas. Inclusive, o PL tem sido batizado por ativistas e militantes feministas como Estatuto Conto de Aia e Estatuto contra a Gestante Estuprada.

Um dos principais objetivos do projeto, apresentado pelo senador Eduardo Girão (PODEMOS/CE), é aprovar o direito à vida desde a concepção, o que refletiria diretamente sobre os casos de direito à interrupção da gravidez previstos pela legislação atual: estupro, risco de vida da gestante e anencefalia. Além disso, o texto também estabelece um auxílio para casos de gestação fruto de violência sexual, que tem sido chamado de bolsa-estupro.

Diante a ameaça, grupos feministas já iniciam articulação para reagir ao projeto. Ainda nesta sexta-feira, o Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea) divulgou o Radar Feminista Urgente – PL 5435/2020. Também disponibilizamos na íntegra:

Radar Feminista Urgente – PL 5435/2020

Uma sósia do Estatuto do Nascituro entrou em pauta do Senado, é o PL 5435/2020, que “dispõe sobre o Estatuto da Gestante” apresentado pelo senador Eduardo Girão (PODEMOS/CE). O PL terá o relatório apresentado em Plenário e pode ser votado na próxima semana. No mês em que tem como marco o Dia Internacional de Luta das Mulheres, este projeto anti-direitos virou uma das prioridades.

Apesar do nome, Estatuto da Gestante, o intuito do projeto é aprovar o direito à vida desde a concepção, o que retrocederia no direito ao aborto nos casos já previstos em lei, em especial os casos de violência sexual, principal alvo da ação fundamentalista no Congresso Nacional.

O projeto está na pauta do Plenário no Senado aguardando o relatório de Simone Tebet (MDB/MS). Se o Senado aprovar, ele ainda tramitaria pela Câmara Federal. Diversas legislações já asseguram os direitos das gestantes, o atendimento em saúde com acesso ao pré-natal pelo SUS – Sistema Único de Saúde, por exemplo.

O projeto

Logo no primeiro parágrafo o autor já inclui uma alteração na Constituição, ao considerar o direito à vida desde a concepção: “Art. 1° Esta lei dispõe sobre a proteção e direitos da Gestante, pondo a salvo a vida da criança por nascer desde a concepção”. Proposta semelhante tinha sido apresentada em 2019, o Estatuto da Gestante e da Criança por Nascer (PL 3406/2019), mas foi retirada de pauta em fevereiro de 2020, por decisão do próprio Autor, que reapresentou o PL 5435/2020 em dezembro, com um título mais curto, mas com o mesmo sentido: inviabilizar toda e qualquer forma de aborto no Brasil.

Bolsa-estupro de volta

O PL 5435 também cria um “auxílio para o filho de mulher vítima de estupro”, como diz o texto explicativo da Ementa e detalhado em seu Artigo 11º “Na hipótese de a gestante vítima de estupro não dispor de meios econômicos suficientes para cuidar da vida, da saúde, do desenvolvimento e da educação da criança, o Estado arcará com os custos respectivos de um salário-mínimo até a idade de 18 anos da criança, ou até que se efetive o pagamento da pensão alimentícia por parte do genitor ou outro responsável financeiro especificado em Lei, ou venha a ser adotada a criança, se assim for a vontade da gestante, conforme regulamento”.

Eduardo Girão

O senador Eduardo Girão já é conhecido por ser um ferrenho opositor dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Atualmente tramitam no Senado outras duas propostas apresentadas por ele: o PL 848/2019, que tornar obrigatória a divulgação de informações de caráter educativo e preventivo que possam contribuir para a redução da incidência da gravidez na adolescência e alertar sobre os graves riscos inerentes à prática do aborto; e o PL 2633/2019, que entre outras coisas, proíbe o aborto preventivo em doenças causadas pelo Aedes Aegypti.

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