Violência doméstica: cerca de 300 PLs buscam descaracterizar Lei Maria da Penha

De acordo com levantamento do CFEMEA (Centro Feminista de Estudos e Assessoria), atualmente cerca de 300 projetos de lei tramitam no Congresso Nacional com o objetivo de mudar itens da Lei Maria da Penha, que trata sobre violência doméstica. Na última semana, a entidade emitiu nota na qual demonstrava preocupação sobre uma das proposituras apensadas ao PL (Projeto de Lei) 598/19, que pretendia mudar o artigo 8º da legislação, trocando a expressão “igualdade de gênero” por “igualdade entre homens e mulheres”.

O PL 598/19 recebeu um substitutivo e seus onze apensados, incluindo o que modificaria o artigo 8º da Lei Maria da Penha, foi rejeitado. A mudança não tranquilizou as integrantes do CFEMEA.

“A nossa preocupação maior no momento é com a quantidade de projetos de lei que visam mudar a Lei Maria da Penha e que podem levar a uma descaracterização dessa que é uma conquista tão importante das mulheres brasileiras”, afirmou a assessora técnica do centro de estudos, Priscilla Brito.

“Da forma como foi pensada, a lei é integral e tem foco na construção da autonomia das mulheres. Precisa, portanto, estar atrelada a uma série de políticas públicas”, completou.

Priscilla Brito é assessora técnica do CFEMEA. Foto: acervo CFEMEA

Priscila argumenta que o apensamento é um trâmite importante no Congresso para dar mais agilidade às proposituras semelhantes, sempre que as propostas têm temas similares, independente se tratam contra ou a favor do assunto. Porém, o apensamento tende a prejudicar as discussões na esfera pública. “O apensamento é um recurso comum do Congresso, mas isso dificulta a análise e até a consulta e participação da sociedade no debate”, pontuou.

Acolhimento de vítimas

Priscilla acrescentou que atualmente o País vive um desmonte de políticas públicas para mulheres vítimas de violência doméstica. “É preciso que elas possam ser acolhidas em instituições de segurança e assistência, com profissionais capacitados, e que possam ser ouvidas e instruídas sobre as possibilidades de rompimento com aquela situação. Hoje, há um verdadeiro desmonte dessas políticas”, lamentou.

Conforme a assessora do CFEMEA, é preciso ter foco na política pública para garantir o adequado acolhimento das mulheres que são vítimas de violência doméstica e não apenas focar na punição. “Claro que é importante garantir mecanismos de denúncia e que os agressores sejam responsabilizados, mas isso por si só não enfrentam o problema. É preciso garantir política pública de qualidade com orçamento”, avaliou.

Educação em gênero

O PL 598/19, aprovado na última semana, criou a Semana Escolar contra a Violência à Mulher, que será realizada anualmente em março, nas escolas públicas e privadas. Priscilla Brito, assessora do CFEMEA, lembra que a educação em gênero já é assegurada desde a Lei Maria da Penha, no Art. 8º, que também sugere diversas diretrizes para o poder público e entes não-governamentais.

Ela explica que essa é uma reivindicação antiga dos movimentos de mulheres, por entender que só a punição não é suficiente para o rompimento do ciclo de violência e para a promoção da igualdade. “A criação da Semana vem se somar com as iniciativas e deve incentivar as escolas a preparar suas atividades sobre o tema. No entanto, o Congresso retirou a menção à questão de gênero, deixando apenas a igualdade entre homens e mulheres. A retirada é mais uma prova do conservadorismo que hoje domina o Congresso, que ignora o quão importante é incluir questões como identidade de gênero para tratar do tema da violência”, criticou.

Não Violência contra a Mulher

Em 2017, foi sancionada uma lei semelhante que criou a Semana Nacional pela Não Violência contra a Mulher, a ser realizada anualmente pelo poder público e sociedade civil em novembro. Priscila ponderou que existem muitas ações descentralizadas sobre o assunto, como as atividades que passaram a ser desenvolvidas por instituições como o Poder Judiciário. “Com a criação dos juizados especiais de violência doméstica, por exemplo, o Poder Judiciário assumiu um papel importante na promoção de atividades”, concluiu.