Nakba: a Palestina resiste aos 73 anos de uma catástrofe contínua

Para além dos bombardeios à Gaza, Israel promove há décadas limpeza étnica e estado de apartheid na Palestina

Em 15 de Maio o povo palestino rememora uma das principais e mais difíceis datas históricas. É o dia da Nakba. O nome, que é traduzido para “catástrofe”, é uma referência à criação do Estado de Israel e ao início das ofensivas sionistas nas expulsões de palestinos de suas terras.

Nesse processo, que teve início antes do ano da criação do estado artificial de Israel, em 1948, mais de 750 mil palestinos foram expulsos de suas terras, milhares foram mortos com crueldade, cerca de 400 vilarejos foram queimados e destruídos, mais de 17 mil km² foram confiscados e hoje temos o número assombroso de mais de 7 milhões de palestinos refugiados espalhados pelo mundo.

Somente este último dado é responsável pela ONU (Organização das Nações Unidas) ter criado um braço especializado, a UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina), dedicado unicamente aos cuidados dessa população em situação de refúgio, deslocamento ou reassentamento.

Bombardeios recentes

Apesar de grande parte da mídia se esforçar na divulgação de um conflito simétrico entre Israel e o Hamas, o que se vê é um verdadeiro massacre.

Na Faixa de Gaza, até este sábado (15), ao menos 145 palestinos foram mortos. 41 deles são crianças e ao menos 20 são mulheres. E na manhã deste sábado, os números já serão, certamente, muito maiores.

Desde segunda-feira (10), data em que os bombardeios intensificaram, cerca de 600 ataques contra a população sitiada na Faixa de Gaza foram realizados por caças israelenses. Isso representa uma média de um bombardeio a cada 12 minutos sobre palestinos. Do lado de Israel, sete pessoas morreram até o momento.

Alguns dos ataques com bombardeios israelenses foram registrados em entradas de reportagem ao vivo, como ocorreu com jornalistas do canal da Al Jazeera.

A imprensa também foi alvo dos bombardeios, e o edifício em que trabalhavam jornalistas e fotógrafos da Al Jazeera, da AFP e de outros veículos locais foi completamente destruído, se reduzindo a uma montanha de destroços.

Judaização de Jerusalém, estopim do levante atual

O novo capítulo de extermínio começou no início de maio deste ano, em plena pandemia, enquanto ainda ocorria o período sagrado da religião muçulmana, o Ramadã.

Além de Israel impedir a ida de palestinos muçulmanos à mesquita de Al-Aqsa, o terceiro local mais sagrado na religião, as tensões na cidade velha de Jerusalém, Al-Quds, aumentaram após decreto de despejo de dezenas de famílias palestinas na parte oriental da região, no bairro de Sheikh Jarrah.

Palestina segue sendo ocupada por colonos judeus, sobretudo oriundos dos EUA e da Europa
Mesmo contrariando a Lei Internacional e os Acordos de Oslo, colonos judeus ocupam casas na cidade de Jerusalém, em bairro destinado ao acolhimento de palestinos refugiados de 48 – Foto: Montecruz Foto (creative commons)

A tentativa de ocupação deste local já é antiga. Desde o início da década de 70 os palestinos dessa região resistem contra uma série de investidas de colonos judeus que entraram com ações judiciais alegando que a terra pertencia a eles.

O bairro de Sheikh Jarrah compreende cerca de 3 mil refugiados que foram expulsos em 1948 de outras regiões da Palestina histórica. Desde então sofrem com a possibilidade de serem despejados, mesmo tendo sido realocados para o local com mediação da própria ONU.

Segundo dados da Anistia Internacional, 600 mil colonos vivem em assentamentos ilegais na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. E de acordo com a OCHA (escritório de relações humanitárias da ONU), outros cerca de mil palestinos, sendo que quase metade são crianças, estão em risco de despejo forçado em toda Jerusalém Oriental.

Estado de Apartheid

Apesar de a ONU e outras entidades recriminarem o avanço dos assentamentos e anexação de terras para colonos israelenses, oriundos principalmente dos Estados Unidos e da Europa, o processo de limpeza étnica israelense continua, até os dias de hoje, impune e em movimento aos olhos do mundo todo.

Muito desse silêncio se deve ao fato de o lobby sionista pressionar, há muitos anos, autoridades e governos por apoio ao estado de Israel.

O Aipac (Comitê de Assuntos Públicos Estados Unidos-Israel) é uma das plataformas mais conhecidas a realizar este trabalho nos EUA.

Apesar de toda essa coação, há evidências registradas, por meio de relatórios e inspeções de organizações de direitos humanos e direito humanitário internacional, de que Israel impõe controle e políticas criminosas contra o povo palestino.

Em 2011, na África do Sul, o Tribunal Russel concluiu que o regime israelense mantinha políticas de um verdadeiro estado de apartheid, sob fundamentos da lei internacional bem como de convenções e resoluções da ONU.

De acordo com informe de 2008, de um relator especial para a situação de direito humanos nos territórios palestinos desde 1967, “os postos de controle servem para humilhar o palestinos e geram sentimentos de profunda hostilidade por parte de Israel. Sob esse aspecto, muito se assemelham às leis da África do Sul do apartheid, que exigiam dos sul-africanos negros permissões para viajar ou residir em qualquer lugar do país”.

Outras práticas também se aproximam do apartheid sul-africano, como as destruições de casas em regiões de interesse de Israel, controle e distribuição discriminatórios de água e outras leis que são restritivas e racistas.

Memoricídio e resistência

O historiador israelense Ilan Pappé utiliza o termo “memoricídio” para explicar o longo e antigo processo de sionistas de um departamento especialista em renomear as regiões, vilarejos e ruas na Palestina com nomes de origem judaica, tornando locais já conhecidamente árabes como sítios hebreus.

O departamento inclusive fazia parte, oficialmente, do FNJ (Fundo Nacional Judeu), envolvido nas estratégias de ocupação da Palestina.

Menina acolhe seu pai após deslocamentos e expulsões durante a Nakba na Palestina
Na Nakba, mais de 750 mil palestinos foram expulsos de suas terras – Foto: arquivo da ONU

O historiador ainda afirma, ao destacar que as tentativas de apagar a Palestina histórica perpetuam, que há dois fatores que até agora vêm conseguindo derrotar qualquer chance de resolver ou trazer alguma solução para a questão palestina: a ideologia sionista de supremacia étnica e o “processo de paz”.

“Da primeira, brota a contínua negação da Nakba por Israel; da segunda, percebe-se a falta de vontade internacional para levar justiça àquela região – dois obstáculos que perpetuam o problema de refugiados e impedem o caminho para surgir uma paz justa e abrangente naquela terra”, destrincha.

Nesse ponto, Ilan Pappé também exalta a resistência desse povo: “ele segue exigindo o reconhecimento dos seus direitos legais e, sobretudo, de seu direito de retorno, concedido a eles pelas Nações Unidas pela primeira vez em 1948. Eles seguem enfrentando a política oficial israelense de negação e contra a repatriação que, durante o mesmo período, parece cada vez mais enrijecida.”

E apesar de tanta violência, traumas e vidas perdidas ou enclausuradas, o povo palestino, como diz Pappé, não se permitiu cair em desumanização. Ele avalia que o estado de Israel pode acabar fadado a ser um país cheio de ódio, ditado por racismo e fanatismo religioso. “Por quanto tempo podemos continuar pedindo – e, mais ainda, esperando – que nossos irmãos e irmãs palestinos mantenham a fé em nós, que não sucumbam completamente ao desespero e à mágoa que se tornaram suas vidas desde que Israel erigiu sua Fortaleza sobre seus vilarejos e cidades destruídas?”, questiona o historiador israelense.

Nessa contínua luta pelo direito de existir, contra a máxima “os velhos morrerão e os jovens esquecerão” [frase de David Ben-Gurion, primeiro ministro de Israel em 1948], os palestinos continuam firmes e representam uma causa humanitária universal por dignidade e direitos, contra Israel, contra o mundo e contra todos, em luta constante pelo retorno à Palestina, terra extinta.

Leia também: Filme de palestina indicado ao Oscar retrata vida sob ocupação militar

Assista ao bate-papo das Firminas com a jornalista palestina Soraya Misleh:

Histórias líricas de um lugar que não existe mais

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