Lactantes pela Vacina: mamaços em defesa do futuro

Julia Maia e seu bebê, do Movimento Lactantes pela Vacina – Foto: arquivo pessoal

O movimento popular Lactantes pela Vacina surgiu no início de maio deste ano, na Bahia, em poucas semanas ganhou dimensão nacional e já conta com avanços importantes. Entre as ações que deram muito certo para jogar luz à luta dessas mulheres estão os mamaços virtuais.

“Estamos encantadas com o poder das mães na sede de defender suas vidas e as vidas dos seus filhos”, celebra Charlene Borges, mãe, lactante e defensora pública em Salvador.

“São mais de 11 milhões de mães solo que precisam sair para trabalhar e se expor ao vírus. Vacinar lactante não é um capricho, não é furação de fila, é responsabilidade social”, destaca o movimento em seu perfil no Instagram.

A força das redes sociais

A história do movimento começa dias atrás, em 7 de maio, quando o governo da Bahia anunciou a vacinação contra a COVID-19 para grávidas, puérperas e mães lactantes com comorbidades e algumas mães souberam que o próximo passo seria o de lactantes sem comorbidades entrarem no grupo prioritário, por determinação da Comissão Intergestores Bipartite (CIB), uma comissão que faz a gestão de saúde e reúne todos os secretários da saúde dos municípios e do estado.

A notícia seu espalhou pelos grupos baianos de mães no Whatsapp, tomados por um misto de euforia e alívio, afinal, um dos maiores medos e pesadelos maternos com essa “roleta russa” que é a COVID-19 é elas faltarem aos seus filhos ou, na mesma medida, seus filhos se infectarem e desenvolverem a forma mais grave da doença.

Mas, não era bem assim. “As lactantes sem comorbidades foram incluídas por engano e seriam retiradas do documento da CIB”, conta Júlia Maia, do movimento. “Nesse momento a gente criou um grupo específico para falar sobre o ocorrido e rapidamente veio a adesão de 200 mulheres. Criamos uma página no Instagram, elaboramos uma carta aberta, que começou a circular entre gestores e parlamentares, e tudo isso reverberou muito rápido, acredito que por estamos falando de bebês, do futuro, de mães”, avalia Júlia.

Na sequência, foi realizada a reunião pública da CIB e o grupo de WhatsApp das lactantes entrou em peso para assistir a discussão virtual. “Para entrar nos identificamos como lactantes e a pressão de 200 mães fez com que o Secretário de Saúde da Bahia retirasse nossa exclusão da pauta. Fomos mantidas no grupo prioritário e a vacinação começou no dia 13 de maio, primeiro com um limite de idade da criança até seis meses e agora, no dia 21 de maio, o público foi ampliado para lactantes com filhos de até 12 meses. Esse avanço é resultado da mobilização das mães”, pontua, com orgulho, Júlia.

Nasce a # Lactantes Pela Vacina

Post do movimento chamando o Mamaço

Quando começou a vacinação em Salvador, um Reels no Instagram das Lactantes reverberou pelo país. “Começamos a ter procura de mulheres de outros estados e foram surgindo mais páginas no Instagram”, explica Júlia.

A ideia do mamaço veio das mulheres lactantes do Rio Grande do Sul. Foi realizado na semana seguinte ao Dia das Mães e, de acordo com Júlia, teve um alcance gigantesco, viralizando o movimento. Mamaço, lives e twitaço passaram então a ser estratégicos para o movimento agora nacional, com representação de quase todos os estados.

Vacina um, protege dois!

O movimento das Lactantes pela Vacina conta com uma aliada de peso: a ciência. Embora não haja um estudo próprio e específico que comprove que a criança receba imunização via leite humano, há muitas evidências científicas sérias sobre o assunto. O pediatra Flavio Melo, membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), destaca quatro delas:

1- Uma pesquisa publicada no American Journal of Obstetrics and Gynecology (AJOG), neste mês de maio, mostrou que gestantes vacinadas com a plataforma de RNAm (Pfizer e Moderna), transferiram com sucesso os anticorpos para os bebês;

2-Estudo publicado em março no mesmo AJOG, avaliou a resposta vacinal em 131 gestantes e lactantes imunizadas com as vacinas Pfizer e Moderna, com produção importante de anticorpos e passagem pela placenta e leite materno para os bebês;

3-Estudo publicado no mês passado na revista JAMA, em 84 lactantes de Israel, vacinadas com a Pfizer, com secreção robusta de anticorpos IgA e IgG no leite materno, 6 semanas após a vacinação. Os anticorpos encontrados no leite materno mostraram forte capacidade neutralizante, indicando uma provável proteção para os bebês;

4- Mais um estudo do JAMA, com 103 gestantes e lactantes que receberam as vacinas de RNAm, com robusta resposta imune, segurança e passagem de anticorpos transplacentários e no leite materno.

Flavio defende a priorização de todas as gestantes e lactantes com a Pfizer, “não somente para protegê-las, para proteger nossos bebês, para proteger nosso futuro”.

Nesta terceira semana de maio outra evidência veio a público: o caso do bebê, filho de uma médica vacinada, ter nascido com anticorpos contra a Covid, em Santa Catarina.

Lactante sendo vacinada – Foto: Instagram Lactantes pela Vacina

PLs tramitando na Câmara Federal e nos estados

Com base nas recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o deputado federal Alexandre Padilha (PT/SP), que foi ministro da Saúde do governo Dilma Rousseff, abraçou a causa do movimento Lactantes pela Vacina e elaborou o projeto de lei 1865/2021, que determina que gestantes, puérperas e lactantes sem comorbidades sejam incluídas na lista de prioridades do Plano Nacional de Imunização – Covid 19.

A defesa do projeto destaca que a SBP “é enfática em recomendar a vacinação de mulheres que, na sua oportunidade de vacinação, estiverem amamentando, independentemente da idade de seu filho, sem necessidade de interrupção do aleitamento materno, ressaltando todos os benefícios de ambas as ações (imunização e amamentação)”.

Outros avanços obtidos pelo movimento: além da Bahia, lactantes sem comorbidades já estão incluídas em grupos prioritários de vacinação no Piauí e projetos de lei ou requerimentos nesse sentido tramitam no Ceará, Alagoas, Sergipe, Paraíba, Pernambuco e Pará.

Ser mãe é um ato político, sim!

O movimento popular das mães é um movimento suprapartidário. Defende a vacinação de todas as lactantes, independente da idade do bebê, como uma estratégia de imunização eficiente e econômica, além de estar associada a uma política pública de incentivo ao aleitamento materno.

“Nossa pauta é uma pauta pró amamentação. Segundo as recomendações da OMS e da Sociedade Brasileira de Pediatria a amamentação ideal é até dois anos ou mais, então nossa pauta envolve todas as lactantes, sem limite da idade”, destaca Júlia. “E, portanto, seguimos na luta. Continuamos trabalhando a mobilização no Instagram”.

Defesa da vida das mulheres na pandemia

Monique Russo e Alice – Foto: arquivo pessoal

Ser mãe e passar por um puerpério já é muito desafiador, numa pandemia e sob um governo negacionista é ainda mais difícil. É um olhar constante para a criança e ter medo de faltar para ela ou ainda perdê-la para a Covid.

Nesse sentido, o movimento Lactantes pela Vacina também é um clamor para todas as mães que estão precisando trabalhar e estão diariamente se arriscando.

Monique Russo, mãe de Alice, de 9 meses, sai para trabalhar todos os dias. Moradora da Vila Penteado, zona norte de São Paulo, ela trabalho como secretária executiva no bairro de Jaguaré e para proteger sua saúde e a saúde da sua bebê evita o transporte público. “Em geral vou de carro com uma amiga. No ano passado, como gestante, estava em regime de home office e só saia para fazer o pré-natal”, conta.

“Sim, o medo é constante. Um medo terrível durante a gestação, e esta semana mesmo, comecei a ter sintomas de gripe e quase surtei. No fim era só gripe, mas claro que queria tomar a vacina para proteger a minha filha”, responde Monique a Firminas ao ser indagada a respeito da vacinação.

É sobre essa esperança que o movimento Lactantes pela Vacina se sustenta e cresce de forma tão vigorosa. “Esperança de construir nossa história de vida junto aos nossos filhos”, resume a mãe, lactante, ativista e defensora pública Charlene Lopes.

  • Leia também

Pesquisadores do coronavírus continuam sem vacina

Quebra de patentes: a polêmica proposta para acelerar vacinação e zerar mortes