Maternidade e Carreira: dilema continua apesar de legislação protetiva

Legislação deveria proteger mulheres em seu direito de ser mães, mas elas continuam sendo demitidas após retornarem da licença

No último mês, a Presidência da República sancionou a lei 14.151/2021, que garante que gestantes podem ser afastadas do trabalho presencial enquanto durar a pandemia. Para isso, deverão ser realocadas em atividades administrativas que possam realizar em home office, para não serem expostas ao coronavírus.

Mulher grávida na pandemia
Mulheres devem ter garantido teletrabalho na pandemia. Foto: Freepik

A legislação se soma a outras que já existem para proteger grávidas de seu direito ao trabalho e à maternidade. De fato, mesmo antes da lei sancionada, através de decisão de STF, gestantes em algumas profissões e ambientes, como os hospitalares, já estavam sendo afastadas de atividades com exposição de risco de saúde e reorganizadas em atividades administrativas.

O STF tinha decidido, há cerca de dois anos, que gestantes não podem trabalhar em ambientes insalubres e, desde então, várias empresas têm buscado acomodar colaboradoras grávidas em outros setores com menor risco. Com a pandemia, por analogia, mesmo antes da lei atual, muitas gestantes foram afastadas de seus ambientes de trabalho por conta da exposição ao coronavírus.

Legislação protetiva

A advogada Bruna Cavalcante Kauer explica que essa a Lei 14.151 reconhece que a trabalhadora gestante necessita de cuidados especiais para a preservação da saúde. “A trabalhadora gestante tem que adotar todas as medidas possíveis para a proteção da vida do feto. Não é crível, que em um momento de agravamento da pandemia, ficar exposta a este vírus, que pode ceifar a sua vida, a de seu filho, bem como arrasar seu núcleo familiar”, pontuou.

Bruna acrescenta que a decisão de incluir gestantes e puérperas em grupos de risco se baseia em estudos e conhecimento já consolidado sobre o assunto e que, por isso, a decisão do Ministério da Saúde visa preservar a saúde da mulher e da criança.

Demissão após licença maternidade

Apesar da legislação protetiva inclusive disponível na CLT, a estabilidade de muitas mulheres só dura mesmo o tempo regulamentar ou meses após o nascimento da criança. De acordo com estudo da FGV, cerca de 50% das mulheres são demitidas até dois anos depois da licença maternidade.

Foi o caso de Thiessa Almeida, de 33 anos, que era gerente-geral em uma instituição bancária até esse ano, quando algum tempo depois do retorno da sua licença maternidade, foi demitida em uma “reestruturação da empresa”.

Thiessa, que mora em Campinas, SP, comenta que saiu de férias em março 2020 e quando voltou, recebeu uma ligação do gestor informando que terminaria sua gravidez em home office devido ao fato de estar gestante durante a pandemia.

“Eu já estava com 40 semanas, aí meu gestor falou para sair de licença. Minha filha nasceu com 41 semanas, peguei a licença de 6 meses. Quando voltei ao trabalho por política da empresa era para ter um acolhimento e não se pode ter meta. Comigo isso não aconteceu. Eu fui transferida para Holambra, 42 km da minha casa, assumi a agência e bati as metas, depois ajudei em Paulínia e por último no shopping Galeria. Em dois meses passei em quatro agências”, contou a profissional.

O relato de Thiessa é mais comum do que parece e durante a pandemia a história tem sido recorrente. Thiessa tinha quinze anos de empresa e adiou sua decisão de ser mãe durante certo tempo em prol da carreira.

“Eu trabalhei 15 anos, dei o meu sangue, fui engravidar quando já estava estabilizada em um cargo de confiança, uma empresa de 90 mil funcionários poderia ter me realocado para outra área, faltou inteligência até porque eles investiram muito em mim, só de cursos eu tinha 97 e sinceramente não esperava”, lamentou.

Porém, mesmo diante da perda de emprego, Thiessa afirma que a felicidade da maternidade não tem preço. “Minha filha é uma benção na minha vida, não trocaria essa experiência por empresa e cargo nenhum”, resumiu.

Jamais imaginava”

Outro caso foi o de MM, de 37 anos, que prefere que seu nome seja preservado. Ela também foi demitida no retorno de sua licença maternidade e relata que, durante a gestação, contou com o apoio dos colegas de trabalho. “Foi uma fase muito gostosa, tive o apoio dos meus colegas. Jamais imaginei ser demitida quando voltasse da licença”, observou.

MM, moradora de São José dos Campos, relata que estava ansiosa para voltar porque gostava muito do trabalho que realizava, mas em seu retorno, recebeu a justificativa de que a empresa estava cortando verbas e, por isso, ela seria demitida.

“Eu acho que um funcionário pode ser demitido. Isso faz parte do mundo corporativo. Mas não entendo a ‘frieza’ de mandarem uma mulher embora assim que volta da licença maternidade. Isso levando em consideração o que os meus chefes disseram na minha demissão: que eu era extremamente competente”, criticou.

Assim como Thiessa, MM também vê a maternidade como uma conquista. “A maternidade é a realização de um sonho. Estou amando a experiência!”, exclamou.

Mulheres devem ter direito à carreira sem abrir mão da carreira. Foto: Freepik

O que fazer?

Fontes informaram ao Portal Firminas que a empresa na qual MM trabalhou, cujo nome também foi preservado para que a fonte seja protegida, é recorrente nesse tipo de demissão. No caso da empresa que demite a colaboradora após a licença maternidade, a advogada Bruna Kauer orienta que, para se resguardar, a colaboradora deverá comprovar por meio testemunhal e documental que a demissão ocorreu após o retorno ao trabalho e que está diretamente ligada ao retorno da licença maternidade.

“Em relação ao empregador caso seja uma conduta reiterada poderá ser objeto de denúncia junto ao Ministério Público do Trabalho, bem como de reclamações trabalhistas por dano moral”, concluiu a advogada.