Especial CPI da COVID-19: o que as mulheres já disseram

A CPI da COVID teve início há dois meses e conta com centenas de requerimentos para ouvir pessoas na condição de convidados ou testemunhas. Da lista, quatro mulheres foram ouvidas até 11 de junho. Desde sua instalação, a CPI é composta apenas por homens e a bancada feminina precisou reivindicar o espaço para poder ter direito a fala na comissão. A partir de então, as senadoras se revezam para fazer questionamentos aos convidados e depoentes.

Em sessão no dia 5 de maio, mesmo após um acordo na véspera ter permitido a participação das senadoras nas sessões, deputados governistas tentaram barrar a participação delas. Desde então, mesmo quando têm facultada a palavra, elas são silenciadas no meio de suas falas, interrompidas ou descritas como nervosas. A prática de um homem interromper uma mulher enquanto ela fala é considerada machista e denomina-se manterrupting.

Além disso, é um hábito comum masculino se referir às mulheres como nervosas ou exaltadas, como tem acontecido durante algumas participações na CPI da COVID até o momento. Porém, se um senador homem levanta, fala alto, diz palavrões ou ataca alguém, o tratamento não é o mesmo. De modo geral, essa referenciação às mulheres como nervosas ou exaltadas faz parte do machismo estrutural presente na sociedade.

A bancada feminina no Senado é composta por doze mulheres, entre parlamentares de situação e de oposição. As mais ativas têm sido Simone Tebet (MDB-MS), presidente da bancada feminina; Eliziane Gama (Cidadania-MA); Leila Barros (PSB-DF), Soraya Thronicke (PSL-MS) e Kátia Abreu (PP-TO). A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) fez uma “participação especial”, invadindo a sessão da CPI durante o depoimento de Fábio Warjngarten. Governista, ela tem participado no plenário acompanhando o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro.

Natália Pasternak – presidente do Instituto Questão de Ciência

Natália Pasternak depôs na CPI dia 11 de junho. Imagem: Fotos Públicas

O depoimento da pesquisadora Natália Pasternak, o mais recente de uma mulher na CPI da COVID-19, aconteceu no dia 11 de junho. Durante sua fala, ela ressaltou que as políticas públicas em saúde precisam ser fundamentadas em evidências científicas, não em anedotas.

“Evidência anedóticas, como ‘meu vizinho, meu cunhado, meu tio tomou cloroquina e se curou’ – evidências anedóticas não são evidências científicas. Elas não servem para a ciência. Elas são apenas causos, histórias. O plural de evidência anedótica não é evidência científica. É só um monte de evidências anedóticas. Não interessa quantas pessoas a gente conhece que usaram cloroquina e se curaram. Isso não se transforma em evidência científica”, explicou.

Pasternak pontuou que, para haver uma evidência científica de algo, é preciso haver uma relação de causa e efeito a respeito e que isso é diferente de estabelecer uma correlação entre dois assuntos.

“Correlação não é a mesma coisa que causa e efeito. Correlação são coisas que acontecem ao mesmo tempo e que podem suscitar uma pergunta a ser investigada, mas não uma resposta. Resposta a gente investiga. Para se ter uma resposta, é preciso ter uma relação de causa e efeito. Para isso usamos estudos randomizados, controlados”, declarou.

Conforme Natália Pasternak, vários estudos no mundo foram realizados para encontrar alguma possibilidade de uso da cloroquina no tratamento da COVID-19, tanto aplicando em células-tronco, em macacos, camundongos e até em seres humanos, como foi o estudo realizado em Manaus em 2020. As pesquisas também foram realizadas em todos os estágios da doença, desde o nível profilático, como prevenção; de forma precoce, nos primeiros sintomas; em casos leves e também nos graves.

“Testamos em tudo, só não testamos em emas porque elas fugiram” – disse ela ironizando o episódio em que o presidente Jair Bolsonaro ofereceu cloroquina às emas do Planalto – , “mas testamos em tudo e não funcionou. Estamos pelo menos seis meses atrasados em relação ao resto do mundo que já descartou a cloroquina. Isso é negacionismo”.

Para Natália, a insistência no uso de cloroquina para tratamento de COVID-19 não é falta de informação, é puramente negacionismo. “Negar a ciência e usar esse negacionismo em políticas públicas não é falta de informação, é uma mentira. E no caso triste do Brasil, é uma mentira orquestrada pelo governo federal e pelo Ministério da Saúde”, diagnosticou.

A pesquisadora acrescentou ainda que o comportamento negacionista em relação à cloroquina leva as pessoas a outros atos que colocam em risco a saúde da população. “Essa mentira mata porque leva pessoas a comportamentos irracionais que não são baseados em ciência. Isso não é só para cloroquina, serve para uso de máscaras, distanciamento social, para a compra de vacinas que não foi feita em tempo para proteger a nossa população. Esse negacionismo da ciência perpetuado pelo próprio governo mata”, destacou.

Ela criticou a falta de empatia de Jair Bolsonaro em relação à população brasileira e defendeu que muitas mortes que ocorreram até o momento teriam sido evitáveis.

Luana Araújo – médica infectologista e ex-futura-secretária de enfrentamento à COVID

Luana falou à CPI em junho. Imagem: Fotos Públicas

A médica infectologista Luana Araújo prestou depoimento à CPI da COVID no dia 2 de junho. Em sua fala, ela afirmou que “toda pessoa deve fazer o que estiver ao seu alcance para impedir essa hecatombe”, em referência à quantidade de mortes de brasileiros durante a pandemia. O Brasil contava 460 mil mortos da COVID-19 no dia do depoimento de Luana. No domingo (20/06), data de fechamento dessa matéria, o Brasil se encontra com 501 mil vítimas.

“É a primeira vez em que a ciência é feita globalmente, com esforços e resultados tão evidentes, sob tamanho escrutínio público. Em meio a tanta dor, essa é uma enorme oportunidade de crescimento da nossa educação e da nossa cidadania. Saúde pública é muito mais do que hospitais ou médicos. Saúde pública é educação, é desenvolvimento científico, infraestrutura, economia, cultura, atenção primária, é parceria com a comunidade, é multiplicação de liderança”, disse Luana.

A médica reconheceu que o governo federal cometeu diversos equívocos na condução da pandemia, mas procurou isentar o Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, a quem atribuiu uma postura de compromisso sobre o assunto.

“A COVID-19, senhores e senhoras, é uma doença ardilosa, mas a pandemia, acima de tudo, é uma crise de confiança. Pelos nossos erros, todos perdemos a confiança do povo. A cada dia que lutamos uns contra os outros, o vírus vence. (…) O que eu vi foi um ministro comprometido com uma equipe próxima também comprometida”, apontou.

Luana passou dez dias de maio atuando como Secretária de Enfrentamento à COVID-19, mas não chegou a ser nomeada e custeou todas as despesas nesse período. “Não fui nomeada, mas trabalhei como se tivesse sido. Inclusive não recebi. É importante ser dito. Não recebi um centavo por esses dias e paguei do meu bolso todos os deslocamentos de Belo Horizonte para Brasília”, relatou.

Durante seu período no Ministério da Saúde, Luana trabalhou no programa de testagem em massa. A médica acrescentou ainda que seu desejo é que a Secretaria de Enfrentamento à COVID-19 funcionasse como um “antecipador de problemas”.

“É público que o nosso programa de testagem até hoje era um programa com inúmeras falhas, reativo, que precisava retomar as rédeas do diagnóstico e o rastreamento de contato de pacientes que infelizmente não tinha sido levado a cabo até esse momento. (…) Essa Secretaria tem como objetivo maior dar agilidade e precisão sobre as informações da pandemia para que os gestores tenham condições de lidar melhor com o que está acontecendo. (…) Idealmente, precisamos antecipar problemas”, lembrou.

A infectologista também desabafou que a polarização do País e as políticas negacionistas fizeram com que as pessoas que ela convidou para fazerem parte da equipe recusassem. “É muito importante que isso seja dito porque nós temos cérebros incríveis nesse país”, ponderou.

Em seu depoimento, Luana, que é infectologista, enfatizou que não existe imunidade de rebanho para o coronavírus, como defendem governistas e o próprio presidente. Para ela, a melhor saída é a vacinação em massa.

Nise Yamaguchi – Oncologista e imunologista

O depoimento de NIse Yamaguchi foi no mesmo dia de Luana Araújo. Imagem: Fotos Públicas

A médica oncologista e imunologista Nise Yamaguchi, de voz mansa, suave e educada, tentou responder os questionamentos dos Senadores durante seu depoimento na CPI da COVID, no dia 2 de junho. Porém, sua fala foi marcada por interrupções contínuas. Segundo levantamento da CNN, em apenas 1h30, a médica foi interrompida 43 vezes.

Em sua fala, Nise tentou defender a unidade dos brasileiros em prol da luta contra a pandemia: “somos um Brasil. 240 milhões de pessoas que precisam de todos nós”, disse em sua fala de abertura. Ela ainda lembrou que, na epidemia de H1N1, o Brasil adquiriu e distribuiu o medicamento Tamiflu para prescrição offlabel durante o período. Desde o primeiro momento, a imunologista recomendou tratamentos precoce e offlabel para a COVID-19.

A oncologista citou a nota informativa do Ministério da Saúde, de 27 de março de 2020 e a resolução da Anvisa de 17 de março de 2020, nas quais, segundo ela, já se falava da cloroquina e hidroxicloroquina para o tratamento de pacientes moderados e graves da COVID-19. “Eu já tinha a informação de que era necessário tratar os pacientes precocemente e agora houve a admissão de que é melhor que não se trate o paciente com a doença moderada e grave”, disse.

Nise Yamaguchi admitiu que almoçou com o presidente e outras pessoas, mas disse que não tinha tido nenhum encontro privado com o presidente. O fato é publicamente inverídico, já que ela teve uma reunião com Jair Bolsonaro no mesmo dia em que Nelson Teich pediu demissão do Ministério da Saúde, 16 de maio.

Sobre a falta de evidências científicas atuais a respeito da eficácia da cloroquina no tratamento da COVID-19, a médica procurou amenizar a situação. “Essa eterna discussão entre cientistas sempre vai acontecer. Em todo congresso é assim, cada um colocando sua opinião. (…) O grande inimigo comum é o vírus e a mortalidade. Se a gente conseguir diminuir essa mortalidade através do uso de máscaras, de isolamento social, de cuidado com idosos, de fazer as vacinas eficientes e seguras…”, declarou.

O relator da comissão, senador Renan Calheiros, exibiu uma entrevista em que Nise defende a imunidade de rebanho, de outubro de 2020. Após a veiculação, a médica continuou ressaltando que “a imunidade de rebanho é um fato” e que “ela não deve ser interpretada”.

“A partir de um determinado momento, a comunidade adquiriria uma imunidade. Entretanto, não se previa nessa época, (…) tantas interfaces tão complexas, as mutações virais que ocorreram, as situações graves que ocorreram. Precisamos deixar claro que as opiniões são circunstanciais com relação àquela necessidade. Nesse momento, a imunidade de rebanho deve ser alcançada pelas vacinas. E nesse momento, quem já teve COVID terá uma imunidade humoral. É difícil dizer a quantidade de casos que será necessária para alcançar essa imunidade”, minimizou.

Não há evidências científicas para a defesa da cloroquina no tratamento à COVID, nem para imunização de rebanho. Nise Yamaguchi é considerada uma das integrantes do chamado gabinete paralelo, que aconselhou o presidente Jair Bolsonaro a implementar políticas negacionistas de imunidade de rebanho, tratamento precoce e atraso na compra de vacinas. Ela participou de pelo menos quatro reuniões do grupo, conforme apurado pela Folha de São Paulo.

Mayra Pinheiro – Médica, doutoranda em bioética, Secretária de Educação em Saúde

Mayra Pinheiro foi a primeira mulher a depor na CPI. Imagem: Fotos Públicas

Em seu depoimento à CPI da COVID-19, no dia 25 de maio, Mayra Pinheiro se autointitulou como a “primeira médica que teve experiência real em tratar pacientes com COVID-19 com as medicações disponíveis aos primeiros sintomas como deve ser todo tratamento médico, sempre baseado nas verdadeiras premissas científicas”.

A médica, que é doutoranda em bioética, defendeu que “saúde pública é direito de todos e dever do Estado”. Ela resumiu suas ações no Ministério da Saúde, destacando os investimentos de R$ 22 milhões em programas de cursos e de residência médica profissional para atuação durante a pandemia.

Em defesa do uso da cloroquina, Mayra disse que “a nova variante P1 comportou-se quase como outra doença do ponto de vista clínico e de desfechos. Precisávamos de todas as medidas seguras para poder reduzir o caos que estava ali instalado”.

Ela emendou que o Ministério da Saúde nunca indicou tratamento precoce para COVID, mas que teria editado uma “nota orientativa que estabelecia doses seguras para que os médicos utilizassem com consentimento dos pacientes”. Porém, a plataforma TrateCov, disponibilizada pelo Ministério da Saúde, recomendava seu uso desde os primeiros sintomas.

“A história sobre o uso da cloroquina começa quando é realizado um estudo científico em Manaus, objeto de todas as discussões no Ministério da Saúde e que resultou na morte de 22 pacientes. Daí veio a nota técnica”, relembrou.

“Queremos que todos os brasileiros, aos primeiros sinais da COVID, procurem a unidade de saúde para ser atendido pelo médico e de acordo com a orientação do médico e a vontade do paciente ele possa ou não receber medicamentos que possam mudar o curso da doença”, insistiu.

As declarações de Mayra Pinheiro durante a CPI da COVID-19 viraram meme nas redes sociais. Em áudio divulgado durante pergunta na comissão, Mayra se refere à Fiocruz, importante órgão de pesquisa no Brasil, como uma instituição de esquerda que “tem um pênis na entrada”. Foram criadas piadas de todos os tipos sobre o assunto, inclusive algumas das quais a médica aparece com o desenho de um pênis contornando seu próprio nariz.

Desenhar um pênis no rosto de uma mulher, seja quem ela for, é desrespeitoso e desagradável. Nenhuma piada sexista deve ser realizada contra uma mulher, esteja ela em qualquer matiz ideológica ou mesmo guardadas quaisquer discordâncias em relação aos seus posicionamentos.