Lute como uma mãe: lactantes conquistam prioridade na vacinação contra a Covid

Movimento popular conseguiu aprovar Projeto Lei em tempo recorde e por unanimidade na Câmara e no Senado

Mães do movimento Lactantes pela Vacina ao lado de parlamentares no plenário da Câmara Federal
Mães do movimento ao lado de parlamentares no plenário da Câmara Federal – Foto: Instagram do Lactantes pela Vacina

“A gente tá muito feliz, muito orgulhosa. É um marco, o início, na verdade, de um caminho de outras pautas. Entendemos que a luta pela vacina era uma luta com um fim anunciado, de um jeito ou de outro, e isso tudo motiva a gente a querer lutar agora por uma política nacional da maternidade”.

A conversa foi por telefone, mas era possível ver o brilho nos olhos só pelo tom da voz de Júlia Maia, do movimento Lactantes pela Vacina (e mãe de Juca), ao contar como foi conquistar a aprovação de um projeto lei que nasceu da mobilização de mães espalhadas por todo o País em apenas dois meses.

Júlia Maia e Juca – foto: arquivo pessoal

O projeto lei nº 2112, do Senador Jean Paul Prates (PT-RN), aprovado por unanimidade na Câmara e no Senado, inclui as lactantes como parte do grupo prioritário no Programa Nacional de Imunização (PNI), junto com gestantes e puérperas, que já têm vacinação garantida em todos os estados brasileiros.

O movimento Lactantes pela Vacina nasceu na Bahia em maio, se espalhou por grande parte do País e foi colhendo vitórias graças aos “mamaços” virtuais via redes sociais e a pressão e articulação com parlamentares. Nesse curto espaço de tempo, a mobilização das mães garantiu vacinação para lactantes, independentemente da idade, em nove estados, ainda que a decisão final fosse dos municípios.

“A gente entende essa vitória como um fortalecimento do movimento nos estados que ainda não iniciaram a vacinação, mas a gente segue na luta até que essa pauta se esgote. Acreditamos que o PL será sancionado sem maiores problemas, mas de qualquer forma já estamos articulando politicamente essa sanção”, informa Júlia.

Proteção  2×1 e a redução de mortes maternas

Foto: Movimento Lactantes pela Vacina

Há argumentos fortes para celebrar essa vitória popular. Pesquisas em andamento indicam a transmissão dos anticorpos contra a covid-19 pelo leite materno, protegendo as crianças pequenas que ainda não podem usar a máscara. Mas a vacinação das lactantes também pode reduzir a triste marca do Brasil como o país com maior número de mortes maternas por covid-19 e diminuir o fosso social que coloca as mulheres negras e periféricas com mortalidade materna por covid-19 quase duas vezes superior ao de mulheres brancas, segundo dados do acompanhamento realizado pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).  

A medida também incentiva à amamentação prolongada e protege as lactantes que voltaram a trabalhar presencialmente. Com mais de 11 milhões de mães solos no País, dados do IBGE, a vacinação das lactantes é um alento ao coração de muitas mães que desde o início da pandemia temem morrer por causa do vírus e deixarem seus filhos sem amparo.

Parlamentares mulheres impulsionaram a votação

A sessão que aprovou o PL na Câmara, em 8 de junho passado, emocionou as mães do movimento e alcançou algo quase impossível nestes tempos sombrios da política brasileira.  “A gente conseguiu unir polaridades, conseguiu reunir deputados e deputadas de correntes completamente opostas para definir uma mesma causa: a luta das mães em defesa das crianças, do futuro do país. Foi muito bonito de assistir”, relata a mãe de Juca. Ela destaca que as parlamentares mulheres, em especial as deputadas Érika Kokay (PT-DF) e Luísa Canziani  (PTB-PR ), foram fundamentais nesse processo.

“A deputada Érika Kokay a gente chama de nossa madrinha por ter aberto espaço na Câmara para nosso movimento. A deputada Luísa Canziani foi relatora e articulou muito com a base do governo, conseguindo reverter a posição contrária à proposta”, conta Júlia. “Tudo foi muito rápido, o projeto tinha sido apensado a outros 122 na semana anterior, estávamos desesperançosas, e foi a articulação de Luísa com Érika que conseguiu levantar essa votação. Somos extremamente gratas a elas por essa empatia com as nossas necessidades e por resistirem em um ambiente tão misógino e machista”.

Em seu discurso na sessão da Câmara, a deputada Érika Kokay homenageou a capacidade de luta do movimento. “Lactantes pela Vacina é um movimento por nossos bebês, por nossos meninos e meninas. É um movimento de uma profunda generosidade, a coragem destas mães lactantes fez com que fossem a todos os lugares para dizer: ‘nos escutem, rompamos uma invisibilização provocada por uma ausência de posição do governo’ que, desde o início, deveria ter considerado lactantes como prioridade no processo de imunização”, afirmou.

Deputada Erika Kokay: movimento por nossos bebês. Foto: Will Shutter/Câmara dos Deputados

Pressão virtual das lactantes

Como acontece desde maio, seja a cada mamaço virtual ou a cada reunião das Comissões de Saúde para debater o assunto, as mães do movimento popular se fazem presentes nas redes e demais ciberespaços. Na Câmara não foi diferente. Tão logo foi aprovado o requerimento de urgência para a votação do PL, as lactantes lotaram de mensagens as caixas de e-mails e WhatsApp de todos os deputados. “Eram mães de todo o Brasil mandando mensagens, foi um trabalho realmente coletivo. Mesmo durante a votação, o chat da plenária estava o tempo todo frenético, com mensagens desde a hora que começou a sessão”, ressalta Júlia.

Mamaço virtual -Foto: Lactantes pela Vacina

Lactantes pela Vacina pretende aproveitar toda essa potência de luta que as mães têm quando sentem que a vida e o futuro de seus filhos estão em risco e, a partir da sanção, o movimento seguirá mobilizado para conseguir implementar a lei em todo o Brasil e determinado a expandir novas pautas.

“Lute como uma mãe”, celebra a página Lactantes pela Vacina no Instagram. “Dois meses de aprendizado, de avanços e recuos, de descobertas e surpresas como todo nascimento.  Nascemos, crescemos, nos reproduzimos! Somos lactantes e inundamos o Brasil com nossa luta! Mães unidas, movendo as estruturas!”.