Haiti: revolução interrompida, tremores de terra e mulheres em risco

Em meio a terremotos, instabilidade política e violência, mulheres no Haiti são as mais vulneráveis
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Infelizmente, o Haiti voltou a tomar as manchetes de notícias com mais uma tragédia. No sábado (14), o país foi o epicentro de um terremoto que chegou a atingir 7,2 de magnitude.

Até o momento, o tremor deixou cerca de 2 mil vítimas e mais de 7 mil feridos. A Unicef fala em 1,2 milhão de pessoas diretamente afetadas pela tragédia.

Para piorar a situação já catastrófica, a tempestade tropical Grace que atingiu a região, prejudicando as buscas de possíveis sobreviventes sob os escombros.

Estima-se que cerca de 40 mil casas tenham sido destruídas, mas conforma avaliação do OCHA (Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários), a expectativa é de que os números aumentem, com danos significativos em infraestruturas e estradas.

Uma independência interrompida

As cenas de destruição chocam e ganham olhar da comunidade internacional. Para além dos desastres naturais, o Haiti tem uma importante história que estremeceu a colônia em luta por independência e liberdade.

Em entrevista com Wellingta Macêdo, jornalista e militante do Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe Pará, foi possível resgatar essas origens históricas de resistência do povo haitiano.

“O Haiti tem uma história revolucionária de lutas em um período de revoluções burguesas, como por exemplo a revolução francesa e aqueles ideais de ‘liberdade, igualdade, fraternidade’. Mas os franceses interromperam o processo revolucionário”.

Este padrão se repetiu em muitos outros países colonizados do continente africano. Movimentos progressistas agiram com violência contra povos negros, até mesmo os que estiveram na linha de frente, defendendo as próprias potências colonizadoras durante a Segunda Guerra mundial, como o caso da Argélia.

E a partir desse preço alto pago pela tentativa interrompida do que seria a primeira independência negra de fato nas Américas, a ilha sofreu uma série de intervenções. “O imperialismo norte-americano, por exemplo, emergente no início do século XX, invadiu o Haiti e ali permaneceu por vinte anos. Se deu então o processo de intervenções militares naquele país, apoiando a ditadura de Papa Doc e seu herdeiro, período de ditadura sanguinária”, resgatou.

Instabilidade política e crise social

O povo haitiano vive intensa crise econômica, social e política desde que o presidente do Haiti Jovenel Moïse fora assassinado em 7 de Julho em sua própria casa, na capital Porto Príncipe.

A ilha já vinha sendo, ao longo dos últimos anos, local de intensas manifestações contra o governo. Tanto em 2019 quanto em 2020, já em meio a pandemia, protestos foram realizados pela saída de Jovenel Moise.

Os motivos para a revolta popular eram muitos: contra o autoritarismo do governo vigente – Moise impôs uma ditadura para manter seu governo com a prorrogação de seu mandato, adiando indefinidamente as eleições, suprimido o parlamento e a corte de justiça – e por direitos fundamentais básicos – na ilha caribenha de 11 milhões de habitantes, dois em cada três haitianos vivem com dois dólares por dia.

Cerca de dois milhões de seus cidadãos são ameaçados pela fome, 35% da população precisa urgentemente de ajuda alimentar e a desnutrição crônica afeta 40 em cada 100 pessoas.

Se todos os fundos gastos com tropas militares fossem canalizados para melhorar as condições de vida da população, o número de mortes por terremoto nunca ultrapassaria o saldo de 100 vítima

Como agravante, as manifestações são duramente reprimidas não somente pelo governo, mas também por gangues milicianas que aterrorizam as comunidades e grupos que tentam organizar qualquer tipo de mobilização.

Mulheres em risco no Haiti

Neste contexto de crise, entre os mais poderosos do país e as gangues milicianas, mulheres e crianças são mais vulneráveis.

Em junho deste ano, segundo informou o Unicef, a escalada da violência de gangues expulsou quase 8.500 mulheres e crianças de suas casas na capital do Haiti.

Pierre Espérance, diretor executivo da Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos do Haiti, disse em entrevista ao The Guardian “que as gangues controlam cerca de 60% do território do país e que 12 massacres foram registrados desde 2018 em comunidades carentes”.

De acordo com um relatório recente da ONU , em 2020 os sequestros aumentaram 200% em relação ao ano anterior, enquanto os assassinatos aumentaram 20% e os estupros relatados 12%.

Sobre este último dado, outras informações sobre segurança das mulheres servem de alerta. Nos primeiros cinco meses do ano, o UNFPA (Fundo para as Populações das Nações Unidas) e parceiros cuidaram de 1347 sobreviventes de violência sexual, incluindo quase 700 crianças e 110 homens, e registraram 6356 casos de violência física.

Além disso, as violações dos direitos humanos cometidas pela polícia são outro motivo de preocupação.

“A questão da mulher no Haiti é uma questão muito forte, muito delicada como é no mundo todo porque a gente vive uma sociedade capitalista, racista, machista, LGBTfóbica onde as mulheres, sobretudo as que vivem em condições mais vulneráveis de miserabilidade, se encontram em situações degradantes. Elas são completamente desumanizadas, coisificadas. São essas mulheres que sofreram estupros, inclusive de tropas da ONU, bem como de tropas brasileiras”relembrou.

Na avaliação política de Macêdo, “o Haiti precisa de uma nova revolução que, diferente do que aconteceu em 1804, se espalhe por toda a América”.

E para isso, ela destaca, o internacionalismo e o fortalecimento da relação entre organizações e ativistas é fundamental. “Que parta da solidariedade internacional, pra que a gente possa fazer revolução e destruir o capitalismo, que é o verdadeiro responsável pela opressão e pela exploração a que são submetidos somente os haitianos, mas o povo pobre no mundo todo”, ela defende.

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