Lesbocídio, preconceito e lutas: a visibilidade lésbica no Brasil

No Dia Nacional da Visibilidade Lésbica contextualizar é preciso: você não precisa ser lésbica para lutar por essa causa e torná-la visível.

Visibilidade Lésbica: casal de mulheres lésbicas posam para foto.
Visibilidade Lésbica: casal de mulheres lésbicas posam para foto. Fonte: Freepik.com

Uma das principais lutas das mulheres lésbicas no Brasil é contra a invisibilidade. Ser invisível em uma sociedade que tem a heterossexualidade como regra, é ser esquecida, desrespeitada, amputada de seus direitos… é ser massacrada, estuprada e assassinada pelo simples fato de ser e existir. 

O lesbocídio, palavra tão desconhecida, é real e precisa ser combatido com urgência. O termo busca especificar os assassinatos de mulheres lésbicas por motivo de lesbofobia ou ódio, repulsa e discriminação contra a existência lésbica.

De acordo com Camila Rocha, pesquisadora da UFSC, em entrevista ao Elas por Elas, “diferentemente do feminicídio, o lesbocídio não ocorre comumente no âmbito doméstico e vincula-se ao conceito de tentativas de extermínio de lésbicas”. 

De autoria do grupo de pesquisa Lesbocídio – As histórias que ninguém conta”, o documento criado, “Dossiê Sobre Lesbocídio”, aponta que 55% dos casos desse crime são contra lésbicas não-feminilizadas, ou seja, que não têm a aparência feminina, que é o ideal de feminilidade que a sociedade impõe às mulheres. E mais: 83% são mortas por homens.

O resultado da invisibilidade é a impunidade. Tornar-se visível é, portanto, urgente e possível. Embora o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, instituído há 25 anos, seja comemorado em 29 de agosto, todos os dias são de lutas. Conhecer mais sobre a representatividade lésbica no Brasil, como já abordamos aqui no Firminas, é um passo importante. 

“Um dia sem lésbicas é um dia sem o brilho do sol”

A frase acima pode ser vista em uma fotografia da Parada pela Liberdade Gay de San Francisco (EUA) em 1979. Na foto,  duas mulheres aparecem carregando uma faixa com os esses dizeres.

"Um dia sem lésbicas é um dia sem o brilho do sol”. Imagem da Parada pela Liberdade Gay de San Francisco (EUA) em 1979.
“Um dia sem lésbicas é um dia sem o brilho do sol”. Imagem da Parada pela Liberdade Gay de San Francisco (EUA) em 1979.

É a expressão do desejo de existir sem medo, e fazer isso se tornar um direito. A invisibilidade, na maioria das vezes, não é uma escolha, mas uma imposição, que pode ser silenciosa, pelos olhares de familiares, velada pelas regras da religião condenatória, ou explícita em um ambiente de trabalho. 

Mesmo fora do âmbito de violência física e de assassinatos, o silenciamento de mulheres lésbicas avança em uma sociedade que vive tempos reacionários. 

Fabiana Carvalho (36) é professora de Química há 13 anos. Casada há 3 anos com sua esposa, tem 3 filhos e sabe bem o que é esconder-se e ser invisível. 

“Eu senti a invisibilidade de várias formas na minha vida. Inicialmente, assim que percebi que eu era lésbica, aos 12 anos, não tive a compreensão da minha família. Não sabiam como aceitar e, para evitar dor e perdas na época, me calei e aceitei ser “hétero” para ter paz. Essa paz eu fui buscar na religião, mas só encontrei mais preconceito e silenciamento. Lésbicas não vão para o céu”.

A entrevistada, Fabiana Carvalho, afirma que visibilidade lésbica é essencial para sua vida.
A entrevistada, Fabiana Carvalho, afirma que visibilidade lésbica é essencial para sua vida.

Fabiana, então, iniciou um relacionamento heterossexual, casou-se e teve um filho.
Mas o que é, simplesmente é.

“Ao longo do meu casamento heterossexual eu não tinha prazer. Eu sabia que estava no lugar errado, com os sentimentos errados, mas uma família tinha se formado. Como isso poderia mudar? Eu estaria sendo egoísta por desejar ser feliz? E o que eu faria com a religião? O medo era enorme”.

Independentemente do que a sociedade, a família e a religião haviam imposto, ela não poderia fugir do que era. Ela percebeu que precisava existir de fato. O encontro com o amor surgiu aos poucos, através de uma amizade.

“Eu me apaixonei por minha esposa com um medo enorme de ser rejeitada. Ela não era lésbica. Hoje entendemos que já era bissexual e não sabia, mas, naquele momento, apenas o medo e a louca paixão por uma mulher eram os sentimentos que me dominavam. Nossa amizade aumentou  por causa dos nossos filhos e, aos poucos, construímos nossa história que seria muito mais do que uma história de  amor, mas de resistência, de descobertas e de existência”, afirmou.

Entre os momentos que ela destaca de invisibilidade, o ambiente de trabalho é  um ponto sensível e que se assemelha ao de muitas mulheres lésbicas. 

“Me candidatei em um colégio confessional por ser uma ótima oportunidade na época. Mesmo sendo lésbica e conhecendo a questão da religião do colégio, comecei a dar aulas. Embora fosse uma excelente professora, com aprovação de alunos, pais e direção do colégio, eu não podia nem pensar em falar sobre a minha família. A homofobia era explícita em rodas de conversa dos professores, nos comentários sobre “alunos efeminados”, nas palestras para docentes… o ambiente era blindado contra a homossexualidade com base na Bíblia”. 

Fabiana conta que conseguiu se desligar deste colégio e conquistar um novo emprego, onde está atualmente. “Agora eu tenho orgulho em dizer que sou lésbica, sou casada com uma esposa linda, plenamente aceita e amada por meus filhos. Me sinto livre para trabalhar com o que amo, dando sempre o meu melhor profissionalmente”, concluiu.

Assim como a frase das ativistas lésbicas, as histórias de felicidade de mulheres lésbicas são como o brilho do Sol, pois, ao conseguirem conquistar seus direitos, sem esconder a sexualidade, uma força maior faz com que toda a luta anterior seja visível e que todos os sonhos futuros sejam possíveis. Fabiana, então, iniciou um relacionamento heterossexual, casou-se e teve um filho. Mas o que é, simplesmente é. 

A história ensina a lutar

De acordo com Camila Macedo, doutoranda e mestra em Educação (UFPR), pesquisadora e curadora em cinema, com principal enfoque nas interfaces entre audiovisual, educação e os estudos de gênero e sexualidade, o apagamento das existências lésbicas é algo muito recorrente ao longo da história.

Camila Macedo desenvolve pesquisas sobre gênero e sexualidade. - Foto: arquivo pessoal.
Camila Macedo desenvolve pesquisas sobre gênero e sexualidade. – Foto: arquivo pessoal.

“Adrienne Rich, uma das grandes referências do pensamento lesbofeminista, dizia que esse apagamento é uma das tantas estratégias da manutenção do exercício de poder dos homens sobre as mulheres, já que a heterossexualidade acaba sendo representada como única e obrigatória forma de existência (texto  “Heterossexualidade compulsória e existência lésbica”, 1980). Um  exemplo, é  a história de Cassandra Rios, abertamente lésbica, que foi tanto a escritora brasileira mais censurada pelo regime ditatorial militar, quanto uma recordista na quantidade de livros vendidos no mesmo período. Ou, ainda, Stormé DeLarverie, lésbica negra e performer drag king, uma das lideranças na rebelião de Stonewall que ficou praticamente esquecida durante muito tempo, mesmo tendo sido uma participante ativa no circuito político e cultural LGBT novaiorquino, entre as décadas de 1950 e 90”, explica.

Ainda de acordo com Camila, atualmente, muita coisa já mudou, tanto no âmbito do ativismo, quanto na sociedade, de modo geral, mas a luta continua. 

“Os avanços, sem dúvidas, foram muitos, mas podemos dizer que acompanhados, em igual medida, de uma crescente onda reacionária e conservadora. Há conquistas, mas  há também problemas bastante antigos a serem enfrentados, que não parecem estar diminuindo, mas crescendo, como os lesbocídios. Então, basicamente, a necessidade de estarmos atentas e mobilizadas não tem fim. Ganha-se de alguns lados, mas sempre há outros em risco ou sob ataque. Por isso, nem mesmo a pauta da visibilidade resolve tudo, mesmo que ela ainda seja imprescindível”, concluiu.

No dia em que se pede mais visibilidade, o pedido às mulheres é: lute essa luta! Mulheres cis ou trans, hétero, lésbicas ou bissexuais são chamadas para olhar com respeito e compromisso para a interseccionalidade existente nas lutas dos direitos das mulheres, e ter uma ação solidária com as lésbicas, com apoio do feminismo e dos movimentos que representam a todas. 

Dicas da Camila Macedo para encontrar mais informações sobre o tema:

O GIRA – Grupos de estudos feministas em política e educação, da UFBA. Possui turmas EAD para o curso de extensão “Pensamento Lésbico Contemporâneo”. Vale a pena ficar de olho em novas turmas.

Há, ainda, no YouTube alguns vídeos disponíveis do GIRA e são uma ótima introdução à produção teórica dos feminismos lésbicos.

Algumas iniciativas mais recentes no Instagram: @arquivolesbicobrasileiro e @nuvemsapatao (que também promovem palestras e minicursos).

Conheça, também, a Enciclopédia Sapatão, uma iniciativa da Casa 1 que tem como objetivo celebrar, preservar e evidenciar a vida, as memórias, as lutas e os trabalhos de  lésbicas.