Mulheres que inspiram: Luciana Bispo

Assistente social, ialorixá, mulher preta. Dando continuidade ao legado da mãe, Luciana Bispo exercita na prática as políticas de cuidado e ajuda a transformar vidas na Zona Sul de São Paulo

Assistente social, Luciana é coordenadora técnica-administrativa do Lar Maria e Sininha / Crédito: Gustavo Moraes

Há pelo menos 25 anos, a assistente social e ialorixá Luciana Bispo faz do cuidar a sua rotina. Seja das crianças, adolescentes e famílias assistidas pelo Lar Maria e Sininha, no Jardim Mata Virgem, Zona Sul de São Paulo, seja à frente do Ile Oba Ase Ogodo aonde, desde 2013, conduz os trabalhos espirituais.

Coordenadora técnica-administrativa da instituição, fundada oficialmente em maio de 1989 pela mãe, Aparecida Bispo, Luciana coloca em prática os ensinamentos da sua maior professora. E relembra que foi no curso superior, nos bancos de uma instituição elitista, que ela aprendeu a teoria do que a mãe há anos fazia na prática: garantia de direitos e o cuidado do próximo, especialmente dos mais vulneráveis.

Aparecida, mãe de Luciana, chegou em São Paulo aos 12 anos, trazida pela segunda madrasta para ser empregada doméstica. A criança, que perdeu a mãe aos 9 anos, desde cedo vivenciou todo tipo de violência e abuso. Foi apenas aos 25, dentro de uma casa de candomblé, que Aparecida encontrou quem cuidasse dela.

Já adulta, casada e com quatro filhos, passou a acolher crianças em sua casa. Comprou um sítio em uma área quase rural de São Paulo, onde já pretendia montar seu barracão de candomblé, e onde poderia abrigar com mais espaço e conforto os pequenos de quem cuidava. A notícia de que havia um orfanato se espalhou e o local chegou a abrigar mais de 130 crianças, antes de se transformar em um polo cultural.

Luciana também é ialorixá do Ile Oba Ase Ogodo / Crédito: Julio Khol

VIRADA DE CHAVE

Luciana lembra que seu envolvimento no trabalho que a mãe realizava se deu aos poucos, uma virada lenta de chave, que passou pelo entendimento acadêmico do que Aparecida fazia sem a base teórica à qual ela teve acesso na faculdade. “A gente entendeu, muitos anos depois, que o que minha mãe fazia era cuidar e acolher, para que nenhuma criança tivesse que viver o que ela viveu”, relembra a assistente social.

Atualmente, o Lar Maria e Sininha atende cerca de 800 pessoas ao ano. Uma contabilidade rápida de todos que por lá já passaram aponta, aproximadamente, 30 mil pessoas atendidas em mais de 30 anos de história. São oficinas de informática, percussão, aulas de capoeira, reforço escolar, mas também conversas sobre cidadania e outros temas necessários e que ficam de fora da educação formal. Há também distribuição de cestas básicas, necessidade que aumentou durante a pandemia.

A instituição é um polo cultural, mas também um provocador do poder público para as necessidades da comunidade, que são inúmeras. A creche e a unidade de saúde que atendem a localidade foram fruto de muita luta. Em uma área de divisa, onde muitas pessoas moram em São Paulo, mas votam em Diadema, a região acaba não atraindo muito o interesse de políticos.

O foco são as crianças e adolescentes, que ali encontram apoio e ajuda para mudarem suas trajetórias e romper ciclos de pobreza de suas famílias. Mas também há atuação com os adultos, especialmente com as mulheres. “É impossível entender o que as crianças precisam, sem entender a dinâmica familiar, sem oferecer apoio para as mulheres para que elas se apropriem de suas histórias”, afirmou Luciana.

Crédito: Gustavo Moraes

TRABALHO FAMILIAR

Com a proximidade do dia 12 de outubro, todo integrante da família Bispo está empenhado em ajudar a organizar a festa de Dia das Crianças, que vai distribuir doces e brinquedos em um evento para mais de 1.500 pessoas. “Na nossa família, isso já está dado. Diferente do que foi comigo, que minha mãe precisava estimular para que eu estivesse junto, meus filhos, meus sobrinhos, sabem o que precisam fazer. Aqui não existe assistencialismo. Tudo o que buscamos ofertar para as pessoas já é de direito delas”, afirmou.

Quando não está cuidando das pessoas no Lar Maria e Sininha, Luciana está cuidando de seus filhos de santo. A ialorixá, que assumiu o lugar da mãe em 2013, após a sua morte, explica que o candomblé é um lugar de cuidado. “Ele nasce para cuidar da divindade e do outro, de quem está junto, de quem pede o auxílio espiritual, de orientação. As casas de candomblé sempre foram lugares de resistência”, define.

Sobre a continuidade de todo esse trabalho, Luciana entende que ele passa pela família, que hoje é a mantenedora do Lar, com a cessão do terreno e o aporte financeiro necessário quando não há patrocínio ou outras verbas. No seu ilê, quando aqui ela não mais estiver, a escolha será das divindades, possivelmente entre os filhos e sobrinhos iniciados. “O escolhido será a pessoa que tiver condições de cuidar, para além do Orixá, também da comunidade.”

Quem quiser conhecer mais sobre os trabalhos culturais e educacionais do Lar Maria e Sininha pode acessar as redes sociais da instituição, no facebook.com/associacao.larmariasininha e no Instagram, @larmariasininha. Os telefones são (11) 93494-6353 e (11) 5672-7331.