Famílias de vítimas pedem pena máxima para autor de duplo feminicídio no RJ

Julgamento está marcado para 8 de fevereiro, em Nova Friburgo; crime ocorreu em outubro de 2019

Duas mulheres, uma com a filha e a outra posando com um vestido bege, em cenários separados, ambas vítimas do mesmo feminicídio
Alessandra e Dani (na foto com a filha Luiza) eram amigas / Crédito: Arquivo pessoal

“O luto do feminicídio não tem uma dor normal de um luto, ele rasga o peito”. A frase da cantora Andresa Vaz, 45 anos, resume bem o sentimento dos familiares de Alessandra Vaz e Daniela Mousinho da Silveira, que aos 47 anos, foram vítimas de um crime hediondo. Na noite do dia 7 de outubro de 2019, o engenheiro de produção Rodrigo Alves Marotti, 35, ex-companheiro de Alessandra, a agrediu e colocou fogo na casa onde ela e Daniela estavam dentro do banheiro, justamente para fugir da violência. No dia 8 de fevereiro, em Nova Friburgo, cidade do Rio de Janeiro onde ocorreu o crime, Marotti vai ser julgado e os familiares das vítimas têm feito uma campanha pelas redes sociais pedindo a pena máxima ao agressor.

As duas mulheres faleceram poucos dias depois do incidente, em decorrência da gravidade das queimaduras. O engenheiro foi detido poucas horas após a agressão, ao se envolver em um acidente de carro, quando fugia do local. Marotti confessou ter ateado fogo no imóvel onde estavam as amigas Alessandra e Daniela. Andresa lembra que não perdeu apenas a irmã, que era empresária e artista plástica, mas também uma amiga e parceira. “Ela era a minha pessoa da vida”, afirma. Andresa declara que embora o crime tenha ocorrido há mais de dois anos, a dor da perda da irmã só tem aumentado com o passar do tempo. 

A cantora relembra que havia um histórico de violências verbais do ex-cunhado contra a irmã, durante os cerca de três anos que durou o relacionamento de ambos.  “Era truculento na forma de lidar com ela, deferia palavras de baixo calão sem se importar se isso magoava ou não e muito menos se haviam pessoas por perto”, detalha. “Chegou a fazer isso na minha presença e na presença da minha mãe, e quando fez na frente da minha mãe já estavam separados. Mas como morávamos distantes nunca ficamos sabendo se ele a agredia ou não.”

Alessandra tinha 47 anos e era artista plástica e empresária / Crédito: Arquivo pessoal

CONECTADAS

Filha de Daniela, a estudante de medicina veterinária Luiza Mousinho da Silveira Oliveira Gomes tinha 19 quando perdeu a mãe. A jovem relata que cultiva as melhores lembranças da relação com Dani, como todos a chamavam. “Minha relação com minha mãe transcendia qualquer outra. Éramos muito ligadas e conectadas, não tínhamos apenas um vínculo de sangue. Ela era minha melhor e maior amiga, assim como eu era a dela. Companheirismo e cumplicidade sempre foram nossa base”, afirma.

Luiza descreve a mãe, que trabalhava como artesã, como “uma artista incrível, uma mulher extremamente forte e uma mãe fantástica,” que proporcionou à filha “infância e adolescência incríveis e precisou abrir mão de muitas coisas para isso. Sempre foi uma guerreira e o maior ensinamento que me deixou é que não posso desistir daquilo que acredito”, completa. “A força dela ainda ecoa e é o que me motiva todos os dias a levantar e seguir tentando.”

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Andresa também destaca que Alessandra estava cheia de planos, entusiasmada com novos rumos profissionais depois que desfez a sociedade com o ex-companheiro e tinha superado a dor do término de um relacionamento abusivo. Segundo Andresa, Marotti não era ríspido apenas com a irmã, mas também com os funcionários. “(Ele era) arrogante e autoritário na forma de lidar. Sei porque comigo foi assim. Então essa decisão (de desfazer a sociedade) estava  deixando-a muito entusiasmada com o fato de ter a empresa somente sob seu comando e do outro sócio. É como se estivesse se livrando de um peso”, afirma.

Dani (à esquerda) e a filha Luiza, estudante de veterinária / Crédito: Arquivo pessoal

Após o crime, nem Andresa nem Luiza conseguiram falar com Alessandra e Daniela, que foram hospitalizadas e viriam a falecer em pouco tempo. “A gente confia na justiça, nos promotores de acusação do caso e na juíza, mas como se trata de um júri popular essa comoção da sociedade é de extrema importância”, lembra Andresa ao  explicar porque as famílias estão se mobilizando. “Não só para conseguirmos a pena máxima, mas para que sirva de exemplo de punição, para termos leis mais severas em casos de feminicídio e por nenhuma mulher a menos”, completa.

Para Luiza, é preciso lembrar que vivemos em uma sociedade patriarcal que defende e protege homens como Marotti. “Todos os dias mulheres são violentadas, agredidas e assassinadas, e muitas vezes os responsáveis não recebem a devida punição. Porém, casos que repercutem nacionalmente geram comoção do povo e a justiça se vê pressionada a agir com maior severidade”, aponta. “Nossa intenção é que, com todo esse movimento, Rodrigo pegue a pena máxima como merece”, conclui.

O engenheiro de produção Rodrigo Marotti confessou ter ateado fogo no imóvel onde estavam as amigas / Crédito: Reprodução internet

FEMINICÍDIO

Muito embora Marotti tenha alegado que incendiou a casa onde estavam Alessandra e Daniela por conta de desentendimentos após o fim da sociedade que tinha com a ex-companheira, é importante que o caso seja classificado como feminicídio, destaca a jornalista Cecília França, integrante da diretoria executiva das Néias – Observatório de Feminicídios de Londrina. “Juridicamente há diferença, porém, o poder que é dado ao homem sobre a vida da mulher explica (e nunca justifica) um crime como esse”, relata. 

“Existe a possibilidade de a tese da discordância sobre a sociedade estar sendo levantada para atenuar uma possível condenação, já que o feminicídio, por si só, aumenta a pena para crimes contra a vida”, completa.

Desde abril de 2021 as Néias vêm acompanhando casos de feminicídios ocorridos na cidade de Londrina, no Paraná. “O Observatório acredita que dar visibilidade a crimes de feminicídio contribui para combater a impunidade, mobilizar a sociedade em torno do caso e, por fim, diminuir a ocorrência desse crime hediondo”, explica Cecília. “Entendemos, sim, que a sociedade pode ser atingida com mobilizações realizadas por familiares e/ou organizações de direitos das mulheres. Inclusive usamos essa estratégia quando possível. Defendemos penas justas, com acolhimento das qualificadoras apresentadas pelo Ministério Público. Só assim a família pode ter um mínimo de conforto diante da perda brutal de uma ente querida.”

Em quase um ano de existência o observatório acompanhou 11 júris e realizou atos públicos (com as restrições impostas pela pandemia). “Conseguimos pautar na sociedade casos invisibilizados, e este, para mim, é o maior êxito das Néias até o momento. Também conseguimos notar alguma mudança no discurso padrão da imprensa, especialmente a policial, ao noticiar esses crimes”, pontua. “Conseguimos falar de machismo estrutural, patriarcado, em horários nobres, com uma população pouco atingida por esses discursos. Seguiremos nessa linha em 2022”, declara.

Atualmente, as Néias fazem um acompanhamento minucioso dos casos, com leitura dos processos e posicionamentos públicos. As advogadas que fazem parte da instituição apontam falhas nos processos, como lentidão na colheita de provas, por exemplo, que são divulgadas em boletins publicados a cada novo julgamento. “Temos estreitado relacionamento com o Ministério Público a fim de abrir caminho para atuarmos mais nesse sentido”, completa Cecília.

A instituição também começa a organizar uma rede de apoio para atender mulheres sobreviventes de feminicídios tentados, que muitas vezes, precisam fugir de onde moram para continuar vivas. “Tivemos uma experiência, em 2021, de receber demanda de uma mulher que precisou deixar a cidade por medo do agressor e ficou impossibilitada de acessar a rede de apoio local. Nós nos estruturamos e prestamos assistência jurídica e psicológica para ela”, conclui.

O Portal Firminas não conseguiu localizar a defesa de Rodrigo Alves Marotti.

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