Quem matou Marielle Franco? Quatro anos depois, pergunta continua sem resposta

Reprodução: Instituto Marielle Franco

*Colaboraram Roseane Papandréa e Carol Avansini

Quem matou Marielle Franco e Anderson Gomes? Quem mandou matar? Há exatos quatro anos, essas perguntas ecoam na mídia e nas redes sociais, mas seguem sem respostas concretas da Justiça. 

Foi no dia 14 de março de 2018 que a vereadora carioca Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes foram assassinados a tiros ao saírem de um evento no centro do Rio de Janeiro. Muito embora o crime tenha sido chocante, ainda está longe de ser solucionado. Desde o início das investigações, três grupos diferentes de promotores já estiveram à frente do caso e, há pouco mais de um mês, o quinto delegado assumiu as investigações. 

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Enquanto isso, o medo continua assombrando integrantes de movimentos sociais alinhados à luta de Marielle, uma mulher negra que iniciou sua militância em direitos humanos após ingressar no pré-vestibular comunitário e perder uma amiga, vítima de bala perdida, num tiroteio entre policiais e traficantes no Complexo da Maré.

Formada pela PUC-Rio, Marielle construiu carreira sólida na defesa de causas sociais. Fez mestrado em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF), tendo como tema de estudo “UPP: a redução da favela a três letras”. Trabalhou em organizações da sociedade civil como a Brazil Foundation e o Centro de Ações Solidárias da Maré (Ceasm). Coordenou a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e construía  diversos coletivos e movimentos feministas, negros e de favelas.

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Assassinato de Marielle Franco: alerta de medo

O assassinato de Marielle Franco não foi apenas a perda de uma vereadora. Para os movimentos sociais, foi um alerta de medo. Se uma das parlamentares mais bem votadas do Rio de Janeiro foi um alvo, porque a militância das comunidades e periferias – local de origem de Marielle – estaria segura? “O medo era muito grande. Mas nós somos parte de um povo que não é de abaixar a cabeça, nossos ancestrais nos ensinaram isso. O medo também se transforma em revolta, em organização, em perspectiva de luta, inclusive luta mais radicalizada e tenho certeza que ela inspirou muitas mulheres”, afirmou a articuladora da Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio da Região do ABC, Katiara Oliveira.

Katiara explica que Marielle representava o mundo dos militantes pelos direitos das pessoas negras, das mulheres, dos moradores em periferias, da comunidade LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros, Queer, Intersexo, Assexual, entre outras orientações sexuais, identidades e expressões de gênero). “O universo da pessoa que estava inserida na luta”, resumiu.

Marielle: inspiração e legado

Para a articuladora, a atuação de Marielle e de certa forma, até a sua morte precoce, inspirou muitas outras mulheres, muitas candidaturas coletivas, e até os eleitores a ajudarem a eleger pessoas que se identificam com essas lutas. “Depois da sua morte a gente pôde reparar que teve mais pessoas sendo eleitas, não só se candidatando também, porque eu acho que isso também mexeu na cabeça do eleitor”, opinou.

 “Ela inspira outros parlamentares a colocarem na ordem do dia pautas antigas de lutas sociais. Dos direitos básicos que vão desde moradia, à questão da violência policial, violência do Estado e também contribuiu na autoestima de pessoas periféricas.”

Sobre a falta de respostas sobre quem foram os mandantes do assassinato de Marille e Anderson, Katiara avalia que as respostas não passam apenas pela indicação dos nomes, mas pelo entendimento do que esse caso representa na sociedade. “É importante entender que nessa trama toda, o objetivo final era só silenciar uma mulher negra que tinha uma atuação, uma perspectiva de esquerda, uma atuação que gerava polêmica dentro da ALERJ (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro)”, citou.

“Por ser contundente, por ser determinada, por pautar questões que historicamente ficaram invisibilizadas por homens brancos, cristãos de classe média alta que não entendem a realidade da periferia e não pautam essa realidade.”

Katiara destaca que a Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio tem forte atuação nas comunidades de São Paulo, identificando e fortalecendo “novas Marielles”, “de todos os gêneros, orientações sexuais e classes sociais”, frisa a articuladora. Pessoas que não se amedrontam na hora de filmar uma ação policial irregular, por exemplo; que lutam pelas suas comunidades e que dão continuidade às lutas sociais.

“É na quebrada onde acontece a violência, onde acontece inclusive antes mesmo da polícia chegar, já tem a violência de morar mal, de comer mal, de estudar mal, de não ter acesso ao primeiro emprego, de não ter acesso às vezes a saneamento básico. Então a gente está falando de um território repleto de violências. Com a ausência do estado”, explica Katiara. “E com a presença do estado a violência aumenta. Porque é na lógica da repressão, do encarceramento, do racismo, da discriminação. E é essa lógica que a gente tem que seguir denunciando pra transformar essa realidade”, concluiu.

Cronologia do caso

  • Em 2018, a Polícia Federal (PF) abriu investigação para apurar denúncias de irregularidades e interferências no trabalho da Polícia Civil e do Ministério Público estadual. Em agosto, é expedida a primeira decisão judicial determinando que o Google forneça dados que possam ajudar a solucionar o caso.
  • Em 12 de março de 2019, o policial militar reformado Ronnie Lessa e o ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz foram presos e acusados pelo Ministério Público Estadual pela execução do crime.
  • Ainda em 2019, logo após a prisão dos primeiros acusados, a delegacia responsável pela apuração do caso troca de comando. Geniton Lages é substituído por Daniel Rosa na condução da segunda fase, para investigar os mandantes.
  • Em setembro de 2019, com base na investigação da PF, a então procuradora-geral Raquel Dodge pede a federalização das investigações e denuncia cinco suspeitos por terem tentado fraudá-las com depoimentos falsos, incluindo Domingos Brazão, conselheiro afastado do TCE-RJ. 
  • Em maio de 2020, o STJ decide que caso não seria federalizado por unanimidade (oito votos a zero). A relatora Laurita Vaz viu inércia ou inação das autoridades do RJ.
  •  Em agosto de 2020, STJ nega recurso do Google e confirma que a empresa deve compartilhar geolocalização de usuários a pedido da promotoria, o que até agora não foi feito. O caso subiu para o STF, ainda sem data marcada para o julgamento.
  • Em setembro de 2020, depois que o governador Wilson Witzel (PSC) é afastado e o vice Cláudio Castro assume, um terceiro delegado é colocado no cargo: Moysés Santana.
  • Em março de 2021, o Ministério Público do Rio de Janeiro criou uma força-tarefa para investigar o caso. O grupo foi estruturado com três promotores, sendo um deles Simone Sibilio, que acompanhou a apuração desde 2018.
  • Em julho de 2021, Ronnie Lessa é condenado a quatro anos e seis meses de reclusão por ocultação e destruição de provas no caso.
  • Em julho de 2021, o delegado Henrique Damasceno deixa 16ª DP (Barra da Tijuca) e assume a chefia da Delegacia de Homicídios da Capital, incluindo o caso Marielle.
  • Em julho de 2021, a promotora Simone Sibilio deixa o caso em meio a divergências causadas pelo acordo de colaboração premiada fechado com Júlia Lotufo, viúva do miliciano Adriano da Nóbrega. O MP-RJ anuncia nova força-tarefa com oito promotores.
  • Em fevereiro de 2022, a investigação do assassinato de Marielle passa para as mãos do delegado Alexandre Herdy, o quinto a assumir o caso.
  • O tribunal do júri contra Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz ainda não tem data para acontecer, já que a defesa entrou com recurso no STJ. Os mandantes do crime ainda não foram identificados.

(Fonte da cronologia: UOL)

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