Observatório de Feminicídios completa um ano com informe sobre o caso Néia

Caso Néia deu origem ao Observatório de Feminicídios de Londrina

Observatório de Feminicídios completa um ano com informe sobre o caso Néia

Ao completar um ano de atuação em Londrina, Néias – Observatório de Feminicídios lança um Informe Especial sobre o caso Néia. A história de Cidnéia Aparecida Mariano, a Néia, é emblemática para a entidade, afinal, foi por causa da mobilização de sua família e de um grupo de mulheres ativistas feministas do município, por meio do movimento “Justiça por Néia”, que o Observatório foi criado. A mobilização ocorreu na data do julgamento do feminicida de Néia.

Após publicar dez informes sobre julgamentos de feminicídios em Londrina, criando importante registro sobre esses crimes na cidade, o Observatório Néias conta a história de de Cidnéia no documento que pode ser consultado na íntegra no link.

“Converter o luto em luta é um dos legados que deixou Néia, irmã de Silvana Mariano, idealizadora e Diretora do Observatório, cujo histórico de luta pela defesa dos direitos das mulheres não a isentou de viver a trágica experiência de feminicídio no seu núcleo familiar. Ecoar o grito da família para pedir justiça, preservando Néia da revitimização a que são expostas as mulheres que sofrem violência de gênero na mídia e no direito, foi vital para que nós, amigas, feministas e militantes fizéssemos da tristeza e da revolta uma vontade de luta”, manifestam as Néias no Informe que marca a data de um ano da entidade. 

Entenda o caso Néia

Néia morreu no dia 30 de maio de 2021, dois anos depois de sofrer o feminicídio tentado por seu ex-companheiro Emerson Henrique de Souza, que a asfixiou até deixá-la inconsciente e então a abandonou em uma estrada rural no município. O crime ocorreu no dia 8 de abril de 2019. Desde essa data e até sua morte, ela viveu acamada, pois a tentativa de assassinato a deixou tetraplégica, sem fala e dependente de terceiros para viver. 

Em comum com tantos outros casos de feminicídio acompanhados pelo Observatório, Néia estava tentando se separar do companheiro, que não aceitou o fim do relacionamento e por isso a atacou. “Ao buscar a liberdade, Néia encontrou a morte”, enfatiza o Informe. 

Emerson foi julgado no dia 4 de fevereiro de 2021, acusado dos crimes de feminicídio tentado, praticado por motivo torpe e com emprego de meio cruel, lesão corporal e ameaça. Ele foi condenado à pena de 23 anos e 4 meses de reclusão e 10 meses e 1 (um) dia de detenção.

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A história de Néia

  “Néia era uma mulher de espírito livre, sempre muito descontraída, com disposição tanto para as festas como para oferecer ajuda às pessoas de seu entorno. Foi mãe relativamente cedo, com o primeiro filho aos 16 anos de idade. Depois teve mais três filhas. Gostava de dizer sempre que planejou ter os filhos que teve. Conheceu as responsabilidades da vida desde muito cedo e logo começou a trabalhar para garantir seu sustento e da sua família. Na vida adulta nunca foi dependente economicamente. Em sua vida amorosa, Néia viveu várias relações e uniões e, até então, tinha exercido autonomia para cessar esses relacionamentos”, escreveu no Informe Especial Silvana Mariano. Além dos filhos, ela deixou três irmãs, uma mãe, sobrinhas/os e amigas/os queridas/os.

Néia era mulher independente e arrimo de sua família, tanto econômica quanto emocionalmente. Cuidava de seus 4 filhos com muita determinação e amor. Trabalhava duro como auxiliar de cozinha para prover toda e qualquer necessidade daqueles que integravam seu lar. Por anos tentou sair do relacionamento, mas Emerson a considerava como propriedade privada, sem direito de escolha, sem direito a desejar outra perspectiva de vida que não estivesse sob seu controle.

Julgamento expõe machismo estrutural

Durante o julgamento de Emerson Henrique de Souza, o debate foi marcado pelas tentativas da defesa em vincular Néia a figuras que se distanciam de comportamentos socialmente esperados para as mulheres. Ela foi apresentada como mulher sexualmente promíscua, ébria frequente, criminosa, de difícil trato e indigna de confiança. Em última instância, tais argumentos induzem à ideia de julgar se a vítima seria digna ou não das violências às quais foi submetida.

Do outro lado, promotor e assistentes de acusação concentravam seus esforços em pedir aos jurados que ignorassem estereótipos para se aterem ao básico do caso: o destino de Néia, determinado pela asfixia de seu algoz, não teve como desfecho uma cova, mas uma existência precária limitada a uma cama, privada da vida que ela sempre teve e desfrutou. 

Observatório de Feminicídios em foco

O Promotor de Justiça Ronaldo Costa Braga, que atuou no caso, destaca no Informe que “o caso de Cidnéia é emblemático do que é a violência de gênero; do que o machismo, manifestado no sentimento de posse do homem sobre a mulher, pode causar. É um caso brutal onde foi empregada uma violência extrema contra Cidnéia, em razão, simplesmente, de ela querer terminar um relacionamento. (…) O trabalho do Observatório é muito importante e é bem-vindo para que haja um controle social sobre todos os atores que venham a trabalhar nesses casos, nos casos de feminicídio; para que ajude a sociedade a compreender a dinâmica desses casos, que ajude a eliminar estereótipos de gênero que ainda são utilizados como fundamentos na tentativa de diminuir a responsabilidade dos acusados; para auxiliar a imprensa na divulgação correta desse tipo de crime. Ou seja, o Observatório pode fazer um adequado controle social e nos auxiliar na melhoria de todo o sistema de Justiça.”

A promotora de Justiça Susana de Lacerda, reconhecida por sua atuação em defesa dos direitos das mulheres, foi convidada a tecer considerações sobre violência de gênero e o papel do Observatório no combate ao problema. “O Néias – Observatório de Feminicídios de Londrina tem desempenhado um papel muito importante na sociedade e no reconhecimento da história dessas mulheres vítimas de feminicídio. De uma maneira muito sensível, o Observatório traz a história dessas mulheres e sensibiliza toda a sociedade, a imprensa e o sistema de Justiça. Esse trabalho dá visibilidade a quem são essas mulheres, denuncia os estereótipos de gênero e chama atenção para aquilo que nós temos que nos despir. Alertam para as lentes de gênero que nós temos que colocar no nosso trabalho, no nosso cotidiano e no atendimento a essas mulheres”, relata. 

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