Estupro, morte, destruição: o inferno que vive o povo Yanomami sob o garimpo ilegal

Cadê os Yanomami? A pergunta que viralizou nas redes sociais esta semana expôs a situação trágica do povo Yanomami sob a mineração. A floresta está sofrendo, os Guardiões da Terra estão morrendo e os povos indígenas clamam por socorro

Reprodução Instagram

“Após os Yanomami solicitarem comida, os garimpeiros rebatem sempre. (…) ‘Vocês não peçam nossa comida à toa! É evidente que você não trouxe sua filha! Somente depois de deitar com tua filha eu irei te dar comida!’.

‘Se você tiver uma filha e a der para mim, eu vou fazer aterrizar uma grande quantidade de comida que você irá comer! Você se alimentará!’.

Os [garimpeiros] dizem: ‘Essa moça aqui. Essa tua filha que está aqui, é muito bonita!’. Então, os Yanomami respondem: ‘É minha filha!’. Quando falam assim, os garimpeiros apalpam as moças. Somente depois de apalpar é que dão um pouco de comida.

As falas acima estão no relatório “Yanomami Sob Ataque: Garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo” — um levantamento do avanço da destruição garimpeira na maior terra indígena do país, lançado pela Hutukara Associação Yanomami no dia 11 de abril passado.

O documento denuncia diversos ataques de criminosos contra comunidades indígenas​ e apresenta a cronologia completa do assédio ​ao​ Palimiu​ em 2021 — ​região ​onde existe uma forte ​atuação do grupo Primeiro Comando da Capital (PCC), que vem se aproximando do garimpo ilegal pelo menos desde 2018, de acordo com reportagem do Repórter Brasil.

Cadê os Yanomami?

Dias após o lançamento do relatório, vem a público o sumiço de 24 indígenas da comunidade Aracaçá, território Yanomami, que tiveram suas casas queimadas após a denúncia da morte de uma menina, vítima de estupro cometido por garimpeiros.

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No dia 25 de abril o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana (Condisi-YY), Júnior Hekurari Yanomami, denunciou por meio de um vídeo que uma menina de 12 anos teria sido vítima de violência sexual e foi a o óbito durante um ataque dos garimpeiros na comunidade.

De acordo com Hekurari, com base em informações recebidas via rádio de pessoas da região, uma mulher e uma criança também estariam desaparecidas. Já no dia 29 de abril, o Condisi-YY relatou o sequestro de um indígena Yanomami recém-nascido por um garimpeiro, que alegou ser o pai da criança.

A repercussão do sumiço dos Yanomami é grande no Brasil e mundo afora. Além da má vontade política de um governo genocida, as investigações são dificultadas graças ao silêncio comprado com ouro pelos garimpeiros.

O fato é que a consequência do aumento assustador de garimpeiros impactou a Terra Indígena Yanomami (TIY) com uma escalada crescente de violência. O Relatório mostra que, de 2016 a 2020, o garimpo cresceu na região 3.350%.  Em 2021 o garimpo ilegal avançou 46% quando comparado a 2020. Hoje imperam no território intimidações, ameaças, desmatamento, poluição de rios, transmissão de doenças, estupros e mortes.

Violência contra as mulheres indígenas

O recente crime cometido contra a menina Yanomami não é um caso isolado. Em 2020, já houve registros de crimes de violência e abuso sexual e mortes cometidos por garimpeiros contra outras crianças. Três meninas, que tinham em torno de 13 anos de idade, morreram. “Os garimpeiros estupraram muito essas moças (sic), embriagadas de cachaça. Elas eram novas, tendo apenas tido a primeira menstruação”, cita o relatório. Depois desses episódios, outras situações foram denunciadas.

O relatório traz também a visão das mulheres indígenas. A maioria afirma que os garimpeiros representam uma terrível ameaça. “São violentos, produzindo um clima de terror permanente nas aldeias”.

Parem de nos matar!

Em nota oficial de solidariedade à família da adolescente indígena de 12 anos que foi estuprada e morta pelos garimpeiros, a rede de Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA) também pontua que as lideranças indígenas mulheres têm enfrentado inúmeros tipos de violências, e clama: Parem de nos matar!

O cenário do garimpo é o de violência, destaca a nota, e os parentes que compactuam com o garimpo também ajudam matar. “…poderia ser com uma de nossas filhas, sobrinhas, irmãs ou primas… Nós, indígenas mulheres, repudiamos qualquer tipo de violência contra as mulheres, seja ela criança, jovem, adulta ou idosa! PAREM DE NOS MATAR!”.

Atos de apoio aos Yanomami – Imagem: Reprodução Instagram

Levante os olhos e participe dos atos em defesa dos Yanomami

Os protestos contra essa situação, por justiça e fim do garimpo começam a ser convocados pelo país. Nesta sexta-feira, 6 de maio, dois protestos em apoio aos Yanomami foram realizados, em Santos (litoral de São Paulo) e em Brasília.

Na próxima segunda-feira, 9 de maio, a partir das 17h, será em São Paulo, a partir do Vão do Masp, e em Porto Alegre, às 17h30 na esquina democrática.

As iniciativas, mais do que necessárias, partem de entidades socioambientais como Jovens pelo Clima e a rede nacional e internacional Oxë Thëpë Yanomami. Cabe aos cidadãos somarem-se a esse esforço para além da escrita: é urgente a ação.

O povo Yanomami clama por ajuda. Você vem?

“Que todos vocês voltem seus olhos para nós! Nós estamos sofrendo junto com a floresta! Toda a floresta está sofrendo! A floresta morreu! Agora a floresta morreu. Faz tempo que eles mataram esta floresta. Acabaram com todas as árvores que comíamos os frutos! derrubaram todas as grandes árvores! E quem foi que fez isso? Foram os garimpeiros que acabaram com elas! A nossa terra está completamente morta! Então volto a pedir, a todos os líderes que venham em nosso socorro! Aqui onde moramos estamos arrasados! da mesma forma como a floresta está devastada, nós também estamos!”

Trecho do depoimento de liderança Yanomami gravado por Richard Mosse na região Palimiu em Junho de 2021.

Levante os olhos! Os xamãs do povo Yanomami são os guerreiros do mundo espiritual. Eles fazem a conexão entre o mundo visível e o mundo invisível, atuando como escudos contra os poderes maléficos oriundos dos humanos e dos não-humanos que ameaçam a vida de suas comunidades. Eles se dedicam a domar as entidades e as forças que movem o mundo natural e sobrenatural. Eles “seguram o céu”.

Para saber mais

Conheça a luta dos Yanomami contra o garimpo ilegal na produção “A Última Floresta”, vencedora do prêmio Platino 2022 – o Oscar latino, disponível na Netflix.

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