Dia de luta antimanicomial: trancar não é tratar!

Neste 18 de maio, Dia Nacional da Luta antimanicomial, o Portal Firminas abraça o slogan da luta para contribuir com a conscientização sobre o direito ao acolhimento e tratamento digno às pessoas com sofrimentos mentais

Por Roseane Papandrea – Edição: Gislene Madarazo

Luta Antimanicomial - cartaz com arte "De perto ninguém é normal"
Cartaz da Semana da Luta antimanicomial de 1987 – Imagem EEFFTO

Trancar é um pensamento de punição e restrição. Ele não transforma ninguém, só piora a condição mental de alguém que precise de tratamento. A luta antimanicomial é para que o horror de determinados tratamentos em clínicas psiquiátricas jamais voltem a acontecer.

Algumas dessas clínicas foram comparadas aos porões da Ditadura Militar e também ao Holocausto tamanha a violência que acontecia nesses lugares. Um território sem lei, com muito sofrimento e maldade extrema.

No Hospital Psiquiátrico de Barbacena, por exemplo, foram mais de 60 mil mortos. Nele aconteciam muitos abusos, violência de todo tipo, fome, sede, torturas, perda da identidade, pacientes sem nenhum tipo de escolha sobre nada. 

Isolamento social e saúde mental

O que é loucura? O que é insanidade? Quem nunca se encontrou num momento de fragilidade emocional? Todos nós precisamos pensar na saúde mental sem estigmas e sem preconceitos.

O recente isolamento social pelo qual todo o mundo passou devido à pandemia de Covid-19 demonstrou o quanto é importante cuidar da nossa saúde mental.

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Casos de pensamentos suicidas e depressão aumentaram muito nesse período, principalmente entre os profissionais da saúde. A pandemia aumentou o estresse, a ansiedade e a depressão desses trabalhadores e expôs a falta de políticas especificas para proteger a saúde mental.

“… [nenhum] médico jamais me disse que a fome e a pobreza podem levar ao distúrbio mental, quem não come fica nervoso, quem não come e vê seus parentes sem comer pode ficar louco, o desgosto pode levar a loucura, uma morte na família, o abandono do grande amor… “

Bicho de 7 cabeças

Luta antimanicomial – Foto Ilustrativa

O SUS e os cuidados com a saúde mental

No Brasil, a Constituição de 1988 e a criação do SUS (Sistema Único de Saúde) impulsionaram os movimentos nacionais a avançar em ações práticas de cuidado em liberdade sob o lema “por uma sociedade sem manicômios”.

Essas experiências bem sucedidas de atendimento psicossocial inspiraram a elaboração e aprovação da da Lei nº 10.216, chamada “Lei da Reforma Psiquiátrica”.  

Promulgada em 6 de abril de 2001, essa Lei estabeleceu novas diretrizes para políticas de saúde mental e a substituição progressiva dos manicômios no país por uma rede complexa de serviços que compreendem o cuidado em liberdade como elemento fundamentalmente terapêutico.

“O modelo manicomial era baseado na violação de direitos humanos em diversos aspectos porque era baseado na segregação social e era também violador de direitos elementares, como a educação, a própria saúde para além da questão do transtorno mental. Eram ambientes propícios a práticas de torturas, maus tratos”, explica o presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), Leonardo Pinho, em entrevista ao Portal da Fiocruz.

“A lei 10.216 veio quebrar esse paradigma, alinhada com a própria Constituição brasileira, na qual o cuidado e o tratamento devem primar pelo direito das pessoas poderem, com as suas diferenças, com seus transtornos, viver em sociedade”, completou.

Como funciona o CAPS

O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) é a unidade do SUS responsável pelo atendimento de pessoas com problemas psiquiátricos visando a recuperação da saúde mental e a integração do paciente com sua família e comunidade.

Para alcançar esse objetivo, o CAPS conta com uma equipe multiprofissional e com atividades coletivas e individuais, além do tratamento médico.

A internação hospitalar só é indicada quando esgotadas todas as possibilidades terapêuticas disponíveis no CAPS.

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Nos CAPS III, especificamente, existem vagas de acolhimento integral, nas quais os usuários podem permanecer para tratamento durante os estados mais agudos da doença por até quinze dias.

O atendimento do CAPS é gratuito, basta ir até uma unidade de saúde com o seu RG ou outro documento de identificação com foto. Após preencher um cadastro, sua carteirinha estará impressa e você já poderá ser atendido.

A luta antimanicomial hoje

Com o golpe que tirou Dilma da presidência e subiu Temer, os recursos federais, antes voltados à ampliação de serviços de base comunitária inseridos no SUS, foram paralisados e entidades privadas passaram a incidir cada vez mais sobre a agenda pública. 

Em 2019, já sob o governo de extrema direita, comunidades terapêuticas que baseiam seu atendimento no trabalho não remunerado, oração e abstinência foram regulamentadas pela Lei 13.840, a chamada “Nova Lei de Drogas”. E o repasse de recursos públicos a entidades que administram essas comunidades terapêuticas no país passou de R$157 milhões, naquele ano, para R$300 milhões, em 2020 (dados do Ministério da Cidadania).

“Está em curso a Contrarreforma Psiquiátrica. O objetivo dos atuais gestores é voltar àquele modelo antigo de internação como dispositivo central, e internação em serviços privados, de modo que também é um desfinanciamento do SUS para direcionar os recursos públicos à iniciativa privada”, afirma Leonardo Pinho.

Embora a Lei da Reforma Psiquiátrica proíba a internação de pacientes com transtornos mentais em instituições com características asilares, essas comunidades terapêuticas e hospitais psiquiátricos particulares brasileiros seguem recebendo grandes investimentos públicos e funcionando como locais de privação de liberdade e graves violações de direitos humanos, como revelam os relatórios das últimas inspeções nacionais em Comunidades Terapêuticas (2019) e Hospitais Psiquiátricos (2019), denuncia reportagem no Portal Fiocruz*

O presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal, senador Humberto Costa (PT-PE), também se mostrou apreensivo. “Temos acompanhando um conjunto de ações governamentais que vão de encontro às práticas antimanicomiais. O movimento de saúde mental preocupa-se com a Portaria 596/2022, que corta recursos da Rede de Atenção Psicossocial (Raps), estimulando a volta dessas práticas”, critica o senador à Agência Senado. Humberto Costa é psiquiatra e foi relator na Câmara dos Deputados durante a votação da Lei Antimanicomial.

Para saber mais

Desinstitute – organização da sociedade civil sem fins lucrativos que atua pela garantia de direitos humanos e pelo cuidado em liberdade no campo da saúde mental, no Brasil e na América Latina. Tem como objetivo incidir sobre políticas públicas.

* Duas décadas de Reforma Psiquiátrica no SUS – Portal Fiocruz

Dica de filmes que abordam saúde mental

  • Bicho de 7 cabeças – Uma história real e atual sobre como o ambiente pode adoecer uma pessoa – Netflix
  • O milagre de Anne Sullivan – A incansável professora Anne Sullivan tenta fazer com que Helen Keller, uma garota cega, surda e muda, se adapte e entenda o mundo que a cerca. Para isso, entra em confronto com os pais da menina que, por piedade, a tratam de forma mimada. YouTube
  • A história de Helen Keller –  vídeo animado da História de Helen Keller, cega e surda ainda na infância, mas que se tornou uma das maiores escritoras, filósofas e conferencistas da história! E tudo isso porque sua professora, Anne Sullivan nunca desistiu dela. Youtube

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