A Mulher Rei, filme sobre guerreiras africanas e principal estreia desta semana, fica sem cartaz de divulgação

Destaque dos cinemas de todo Brasil, o longa protagonizado pela vencedora do Oscar Viola Davis, não recebeu um único cartaz de divulgação em Atibaia.

Por Van Loureiro

Não sou cinéfila, nem vou muito ao cinema desde quando morava em São Paulo. Mas acredito que alguns filmes se tornam maiores (literalmente e em sentido figurado) na telona.

The Woman King, ou A Mulher Rei é um destes casos. Desde que soube do filme há meses atrás, andava ansiosa para assistir.

Mulher Rei Viola Davis

Li que iria entrar em cartaz no único cinema de Atibaia e a tarde fui me informar se era verdade, pois não havia anúncio a respeito em nenhum local, exceto na internet se assim fosse pesquisado. O Cine Arteplex Atibaia que eu saiba não divulgou. Não havia cartaz antes da estreia e ainda não há nenhuma menção ao filme, a não ser no letreiro interno informando seu nome junto a outros filmes. Não, não há um único cartaz. Há cartazes de filmes que sequer existe a data de estreia. Não há um cartaz do filme nem na parte interna e nem externa do local.

Me pareceu bastante estranho o fato do cinema não divulgar a estreia de um filme com atores como Viola Davis, vencedora de Oscar e de outros prêmios e John Boyega, o primeiro protagonista negro da famosa saga Star Wars, além de outros atores premiados. Estranho também o fato do cinema ignorar um filme que foi recorde de bilheteria em sua estreia nos Estados Unidos há dois dias atrás.

Como paulistana e ainda nova atibaiense, já ouvi duas coisas que sempre voltam a meus pensamentos. A primeira é que Atibaia é uma cidade preconceituosa e que se deve ao fato de ser uma das últimas cidades a abolir a escravização dos negros. E a outra é que por ser de São Paulo, me posiciono e percebo o preconceito de forma diferente da maioria das pessoas nascidas aqui.

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Pois bem, não consegui ignorar a ausência do cartaz e me sinto indignada com cada possibilidade do que pode haver por trás desta invisibilização do filme. Seria a ideia de que pretos não vão ao cinema? Ou mulheres não dão bilheteria?  Ou talvez porque pretos afastariam a bilheteria branca? Talvez porque se fossemos,  não teríamos um comportamento adequado e deixaríamos a sala suja (o que aliás constatei ao final da sessão em que quatro de nós estávamos no meio da maioria caucasiana)?  Ou porque o filme traz o empoderamento negro e feminino?

Ainda não cheguei a uma conclusão, mas todas estas reflexões me fazem pensar “polianamente” na possibilidade que a vergonha histórica mundial, nacional e citadina que foi a escravidão incomode aos descendentes dos responsáveis por ela, num nível tão grande que os mesmos acreditam que não colocar os holofotes num caso já sabido faz com que ninguém dê atenção a ele.

Mulher Rei
Crédito: divulgação

Brasil é citado em A Mulher Rei

Ter o Brasil citado no filme como um dos países responsáveis pela recepção dos escravizados não é agradável a pessoas que possuem heranças patrimoniais advindas desse comércio humano. E menos agradável ainda a nós que sabemos e sofremos as consequências deste período sombrio até hoje.

Mas eu acredito em mudanças. E na força que há no conhecimento. Somos um país que possui a maioria de sua população formada por negros. E a mesma população é majoritariamente formada por mulheres. Cabe a nós mulheres reivindicarmos o que é nosso. Coisas que parecem pequenas e sutis, como a ausência de um cartaz podem implicar em mensagens subliminares de repercussão negativa por muito tempo.

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Cabe a nós pretos questionar esses e outros pequenos atos isolados e intencionais ou não para saber o que é real e como nos posicionamos diante de fatos.

Talvez o referido cartaz não tenha chegado para ser exposto, talvez seja esquecimento, ou até que o mesmo tenha sido perdido (coisas que duvido, mas são possíveis).

De todo modo, dentro de mim ecoa o desejo desta resposta. Ainda vou tentar descobrir. Tentar descobrir e entender de modo inteligente, aquele modo que nós mulheres, descendentes de escravizados encontramos, afinal não chegaríamos até aqui sem a estratégica sabedoria de muitos de nossos ancestrais.

Ubuntu!

Van Loureiro
Sou designer de moda sustentável  e faço parte da Associação Negra Visão

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