Sem Censo e sem documento: o desmonte de políticas públicas e dados estatísticos

A Lei Orçamentária Anual desse ano, aprovada há duas semanas pelo Congresso, reduziu em 90% a verba destinada para o Censo Demográfico, de R$ 2 bilhões para R$ 71 milhões. A pesquisa, que deveria ter sido aplicada no ano passado, foi adiada devido à pandemia, mas o corte orçamentário, na prática, inviabiliza sua realização. O corte orçamentário teve repercussões internas no IBGE, levando inclusive ao pedido de demissão da presidente do órgão, Susana Cordeiro Guerra.

Desde a instituição do Censo, há 80 anos, a pesquisa foi adiada em três ocasiões. A primeira devido à Revolução de 1930; a segunda em 1991, motivando a lei que tornou obrigatória a realização do Censo a cada dez anos e ano passado, devido à pandemia.

A economista Marilane Teixeira, pesquisadora da Unicamp, classifica o corte orçamentário como um desastre. “Com os recursos que estão sendo destinados não é possível fazer uma pesquisa com a abrangência que o Censo exige. Uma pesquisa censitária tem que visitar os domicílios brasileiros. É uma pesquisa muito abrangente que verifica vários aspectos da vida das pessoas e toda a evolução demográfica. O recurso destinado não dá conta nem mesmo das pesquisas que são feitas regularmente pelo próprio IBGE”, alertou Marilane.

Políticas públicas

O Censo demográfico é uma pesquisa que verifica as características da população e como ela vive. Através dele é possível definir políticas públicas essenciais para o país e motivar decisões de investimentos públicos e privados. Na prática, a ausência de realização do Censo deixará o governo sem dados para a elaboração de políticas públicas para a população no pós-pandemia.

Marilane Teixeira acrescenta que o Censo é uma ferramenta importante para orientar o direcionamento de recursos financeiros para as necessidades de saúde, educação e várias outras áreas essenciais para o crescimento do país.

Foto: Print de vídeo

“O Censo demográfico constitui, em todos os países, uma importância fundamental. Acredito que o governo fez mais do que maquiar dados estatísticos. Na realidade é um desprezo por esses mecanismos, pelas políticas e pelos resultados e efeitos dela que o Censo demográfico traz. É uma ignorância, uma forma de lidar com a política pública que prescinde por exemplo da necessidade de se ter um diagnóstico da realidade do país”, criticou.

Para Marilane, o governo federal despreza os dados e estatísticas de maneira deliberada. “Estamos percebendo nos últimos anos no governo Bolsonaro o que conduz as políticas públicas. Elas não são conduzidas por dados científicos medidos objetivamente por meio das pesquisas, mas quase que por uma reação ao que se acha que deve ser. Esse governo está preocupado que a política pública expresse um perfil de família que é a tradicional e aqueles que não se encaixam nos padrões são vistos como fora da curva”, definiu.

Transição demográfica

Com a realização dos últimos Censos, foi possível acompanhar as mudanças da pirâmide demográfica brasileira e perceber que a população está se tornando envelhecida.

“Estamos vivendo uma transição demográfica conhecida pela maioria dos países que tem se traduzido cada vez mais na consolidação de uma estrutura ocupacional com a participação crescente dos segmentos mais idosos, os quais inclusive têm verificado uma rápida elevação da sua esperança de vida”, relatou Marilane.

A economista lembrou que a estrutura familiar atual está mudando, tornando-se reduzida a domicílios unifamiliares e unipessoais, o que reafirma a necessidade do Censo para compreender esse processo.

Mudanças econômicas

Marilane Teixeira é economista

Marilane ressalta ainda que as mudanças tecnológicas estão mudando e levando a novos arranjos econômicos e alterando a empregabilidade em alguns setores.

“Outra questão são as atuais condições da dinâmica da estrutura econômica, caracterizadas por alterações tecnológicas importantes que reduzem a importância da indústria na geração de novos postos de trabalho e criam novos segmentos ocupacionais vinculados a outros tipos de serviços, transformam inclusive as condições de assalariamento no mercado de trabalho, estabelecem novas relações entre os setores e que alteram o modo de geração e o perfil da renda. Essas mudanças precisam ser captadas”, ponderou.

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